Ao analisar apelação da defesa, o tribunal pode manter a decisão recorrida com base em outros fundamentos, desde que resulte de elementos já reconhecidos nos autos e não gere prejuízos ao recorrente. Com esse entendimento, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 123115, interposto pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de um condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes.
No caso discutido nos autos, o réu foi condenado pelo juízo da comarca de Cáceres (MT) à pena de cinco anos e seis meses de reclusão (a ser cumprida em regime inicial fechado), além de 60 dias-multa, pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006). A defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJ-MT), mas não obteve êxito. Em seguida, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) buscando a fixação do regime inicial semiaberto, mas o pleito não foi atendido.
No recurso apresentado ao Supremo, a Defensoria argumentou que o juízo de primeiro grau fundamentou a fixação do regime inicial fechado na obrigatoriedade decorrente do artigo 2º, da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), declarado inconstitucional pelo STF. Alegou ainda que, no julgamento da apelação, o TJ-MT valeu-se de fundamento (maus antecedentes) que não constavam na sentença condenatória, caracterizando inovação prejudicial em recurso exclusivo da defesa.
Voto do relator
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, afirmou que o TJ-MT afastou o dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, mas manteve o regime inicial fechado, invocando os maus antecedentes, que já haviam sido reconhecidos na sentença. “Não houve, ao meu ver, o reconhecimento de novas circunstâncias desfavoráveis, mas a utilização de circunstâncias já reconhecidas na fundamentação do regime inicial. A linha de argumentação do TJ-MT não merece reparos”, disse o ministro.
Segundo o relator, o Plenário do STF reputou, em diversos julgados, inválidas para o crime de tráfico de drogas a vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e a imposição compulsória do regime inicial fechado. Todavia, sustentou o ministro, “os julgados não reconheceram o direito automático a esses benefícios. A questão há de ser apreciada pelo juiz do processo”, afirmou.
O afastamento do regime inicial fechado obrigatório, concluiu o relator, autoriza a fixação de um novo regime inicial com base nas circunstâncias judiciais. No caso dos autos, o ministro assinalou que o regime inicial fechado foi concretamente fundamentado pelo TJ-MT, nos termos da Súmula 719 do STF, que afirma que a “imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.
Tese
O voto do relator foi seguido por unanimidade. O ministro Celso de Mello afirmou que “não é permitido que o tribunal ad quem pronuncie uma decisão que seja desfavorável a quem recorre, quer do ponto de vista quantitativo, quer sob o aspecto meramente qualitativo”. Contudo, não houve no caso, segundo o ministro, alteração na pena do réu. "Não houve ofensa ao postulado que veda a reformatio in pejus [reforma da decisão para piorar a situação do réu]”, disse.
O ministro Teori Zavascki ressaltou que não houve vício formal no acórdão do TJ-MT e salientou a importância do precedente uma vez que, no julgamento de recursos ordinários – como é caso das apelações, “não se impede que, sem piorar a situação do recorrente, se mantenha a decisão [recorrida] por outros fundamentos, desde que não constitua esse novo fundamento uma nova causa de pedir”.