Por votação majoritária, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, nesta terça-feira (9), o Habeas Corpus (HC) 110496 e cassou a liminar anteriormente deferida, que havia suspendido o curso, na 8ª Vara Criminal da Justiça Federal no Rio de Janeiro, de ação penal que apura a suposta atuação de uma quadrilha especializada no cometimento de fraudes contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no interior do Rio de Janeiro. Entre os acusados, há três corréus que exerciam mandato de vereador à época dos fatos.
A suposta quadrilha foi alvo de investigação a partir de maio de 2007, tendo sido autorizadas interceptações telefônicas pelo juízo federal de Itaperuna (RJ). Em 2008, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia apontando o cometimento dos crimes de quadrilha, advocacia administrativa, estelionato qualificado, peculato e prevaricação, apurados em operação realizada pela Polícia Federal.
De acordo com o MPF, a suposta quadrilha, também integrada por um médico, seria especializada na concessão de auxílios-doença e aposentadorias por invalidez para os integrantes do grupo e pessoas capazes e aptas ao trabalho.
A denúncia foi recebida pelo juízo federal de Itaperuna (RJ), que decretou a prisão preventiva e a quebra dos sigilos bancário e telefônico dos envolvidos. Entretanto, em seguida a juíza de Itaperuna se declarou incompetente para julgar o feito e o encaminhou ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no Rio de Janeiro. Este julgou que a competência era da Justiça Federal, mas redistribuiu o processo para a 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, especializada na apuração de crimes praticados por organização criminosa.
Contra essa decisão, a defesa de um dos acusados impetrou HC no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o rejeitou. Dessa decisão, por seu turno, seus defensores recorreram ao STF por meio do habeas hoje julgado.
Liminar
Em outubro de 2011, o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, havia concedido liminar, suspendendo o julgamento da ação penal na 8ª Vara, até julgamento de mérito do HC. Na época ele considerou plausível a tese da defesa acerca da nulidade de provas colhidas, tendo em vista a alegada incompetência do juízo de primeiro grau para processar e julgar vereadores com prerrogativa de foro (direito de ser julgados pela justiça de segunda instância), prevista na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 161, inciso IV, letra “d”, item 3.
No julgamento de hoje prevaleceu, entretanto, o argumento do relator, ministro Gilmar Mendes, que decidiu cassar a liminar e validar os atos praticados pelo juízo federal de Itaperuna, por entender aplicável ao caso a tese da “teoria do juízo aparente”, sustentada pelo ministro Sepúlveda Pertence (aposentado), por ocasião do julgamento, pela Suprema Corte, do HC 81260.
Ao defender a aplicabilidade dessa teoria, o ministro Gilmar Mendes disse que, na época, a juíza federal de Itaperuna, que tinha o processo a seu cargo, adotou as medidas que lhe competia tomar. Além disso, segundo o ministro, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo que concedeu prerrogativa de foro para os vereadores, mesmo em casos de competência da Justiça Federal.
Por último, o ministro-relator levantou uma questão de ordem prática. Segundo ele, uma mudança, agora, na competência para julgar o processo poderia gerar a impunidade dos acusados, correndo-se o risco de haver prescrição do crime.
O voto foi acompanhado pelo presidente do colegiado, ministro Ricardo Lewandowski, sendo voto vencido o ministro Celso de Mello. No entendimento deste, a teoria do juízo aparente não é aplicável ao caso, porque a juíza federal da Itaperuna, ao determinar medidas persecutórias contra a suposta quadrilha, tinha consciência de que havia vereadores entre os denunciados. Ele lembrou que a prerrogativa de foro para eles foi outorgada pela Constituição fluminense com base no artigo 125, parágrafo 1º, da Constituição Federal.
O ministro Celso de Mello disse que, de acordo com a jurisprudência do STF, essa prerrogativa só não pode ser invocada em caso de o acusado ser submetido a Tribunal do Júri. Por isso, o ministro votou pela concessão da ordem e entendia como competente o TRF-2 para julgar o caso.