Na sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) desta terça-feira (1º), pedido do vista do ministro Ricardo Lewandowski suspendeu o julgamento de mais um caso em que se discute o poder de investigação criminal do Ministério Público. O pedido aconteceu após o relator do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 97926, ministro Gilmar Mendes, votar pelo desprovimento do recurso, por entender que o MP tem poder para investigar, ainda que subsidiariamente.
O caso concreto trata de um cirurgião condenado a um ano e dois meses de detenção, em Goiânia, pela prática de homicídio culposo (artigo 121, parágrafo 3º, do Código Penal). A sentença de primeiro grau considerou que houve negligência do médico durante uma cirurgia de angioplastia transluminal e colocação de prótese vascular, que acabou causando a morte do paciente.
A defesa apelou da condenação ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), que negou provimento a recurso de apelação e rejeitou os embargos de declaração opostos contra essa decisão. A defesa ainda recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, novamente sem sucesso.
Poder do MP
No RHC apresentado ao Supremo, a defesa sustenta que, no caso, seriam nulas as provas colhidas no curso da investigação presidida pelo Ministério Público de Goiás, que não disporia de poder investigatório.
Sobre a matéria, o ministro Gilmar Mendes lembrou que já manifestou, nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 593727, seu entendimento de que não é vedado ao MP proceder diligências investigatórias, conforme se depreenderia de uma interpretação sistêmica da Constituição Federal e da legislação pertinente. Segundo ele, considerando o poder-dever conferido ao MP na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, seria indissociável às suas funções a autonomia para colheita de elementos de prova – o que, segundo o ministro, é conferido ao MP pela legislação infraconstitucional.
O ministro frisou que a atividade investigatória não é exclusiva da polícia judiciária. “Raciocínio diverso, no sentido da exclusividade das investigações por organismos policiais, levaria à conclusão absurda de que também outras instituições, e não somente o MP, estariam impossibilitadas de exercer atos investigatórios, o que é de todo inconcebível”, afirmou o relator. Como exemplo, citou o poder de investigação de órgãos como as CPIs, o COAF, a Receita Federal, o Bacen, a CVM, o TCU ou o INSS.
Com esses argumentos, entre outros, o ministro disse entender ser legítimo o poder de investigação criminal do MP. Ressaltou, contudo, que esse poder que não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Nesse ponto, o ministro disse entender que a atuação do MP deve ser necessariamente subsidiária, ocorrendo apenas quando não for possível ou recomendável que se efetivem pela própria polícia, e em hipóteses específicas - por exemplo, quando se verificarem situações de lesão ao patrimônio público ou excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais.
No caso, a investigação que antecedeu o oferecimento da denúncia contra o médico foi conduzida pela Curadoria de Saúde do Ministério Público de Goiás, que procedeu a esse levantamento exatamente tendo em vista sua função de zelar pela boa prestação dos serviços de saúde, frisou o ministro, lembrando que a Curadoria detém essa competência para oferecer respostas inclusive na esfera penal.