O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), invalidou todos os atos processuais, a partir da denúncia, inclusive, realizados por autoridades do Estado de Goiás referentes à ação penal proposta contra o deputado federal Beto Mansur (PRB-SP) que, juntamente com outros corréus, teria praticado o crime de redução à condição análoga à de escravo previsto no artigo 149 do Código Penal (CP).
Conforme o ministro, a denúncia oferecida pelo Ministério Público goiano foi recebida pela 1ª Vara da Comarca de Porangatu (GO), em setembro de 2006, antes da diplomação de Beto Mansur como deputado federal, o que ocorreu em dezembro daquele ano. Contudo, a competência para julgar casos de trabalho escravo, onde há “transgressão não só aos valores estruturantes da organização do trabalho, mas, sobretudo, às normas de proteção individual dos trabalhadores”, é da Justiça Federal, conforme definido no artigo 109, inciso VI, da Constituição da República. Tal entendimento, afirma o ministro Celso Mello, vem sendo observado em vários precedentes do Supremo.
Assim, segundo o decano do STF, “o recebimento da denúncia por parte de órgão judiciário absolutamente incompetente (como sucedeu no caso) não se reveste de validade jurídica, mostrando-se, em consequência, insuscetível de gerar o efeito interruptivo da prescrição penal a que se refere o artigo 117, I, do CP”.
O ministro acrescentou que o postulado do juiz natural é uma prerrogativa individual que tem por destinatário o réu, constituindo-se como direito a ser imposto ao Estado. O princípio atua como fator inquestionável de restrição ao poder de persecução penal, submetendo o Estado a limitações de sua atuação. “Ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judicial competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural”, afirma o ministro.
A decisão, proferida na Ação Penal (AP) 635/GO, ressalta, finalmente, a possibilidade de o Ministério Público Federal (MPF) apresentar nova acusação, agora perante o STF, em razão da prerrogativa de foro do acusado.
O caso
Segundo a denúncia acolhida pela Justiça de Goiás, 52 trabalhadores teriam sido submetidos a uma extensa e exaustiva jornada de trabalho, sem descanso semanal remunerado. As vítimas que não pudessem trabalhar, por motivo de doença ou de chuva forte, eram obrigadas a pagar a própria alimentação. Esse cenário, conforme a acusação, leva à situação de “servidão por débito”, com cerceamento de locomoção física em razão do endividamento. Consta ainda na peça acusatória a presença de condições precárias nos dormitórios, na segurança dos trabalhadores e, ainda, a ausência do fornecimento de água potável.
Processos relacionados AP 635 |