Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal (STF) indeferiu, nesta terça-feira (13), Habeas Corpus (HC 84965) que pedia o trancamento de ação penal instaurada na Comarca de Matias Barbosa (MG) contra servidores públicos estaduais e outros acusados de crimes contra a ordem tributária (artigo 1º, IV, e artigo 3º, II, da Lei 8.137/90) e formação de quadrilha (artigo 288 Código Penal). O andamento do processo estava suspenso por força de liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso. Com o entendimento firmado nesta tarde, essa liminar perdeu efeito e a ação penal voltará a tramitar normalmente. A decisão seguiu voto do ministro Gilmar Mendes, relator do processo.
O HC foi impetrado em favor de L.S.S.L., que reponde ao processo com outras quinze pessoas. Entre os investigados, há 11 fiscais da Receita do Estado de Minas Gerais, dois policiais militares, dois advogados e um empresário. Os advogados argumentaram que a ação penal deveria ser trancada (encerrada) porque estaria fundamentada apenas em Procedimento Administrativo Criminal instaurado internamente pelo Ministério Público (MP) mineiro, por meio de portaria da Promotoria de Justiça de Combate ao Crime Organizado. Segundo eles, esse fato tornaria a denúncia nula.
O relator, no entanto, afirmou que o caso em questão “parece justificar” a atuação do Ministério Público. “No caso concreto, constata-se situação excepcionalíssima, que, a meu ver, justifica a atuação do Ministério Público na colheita de provas que fundamentam a ação penal”, ressaltou o ministro Gilmar Mendes.
“É uma situação extremamente complexa, que a Corregedoria da Fazenda (de Minas Gerais) indicava, com participação possível de servidores e policiais militares. Então, é um caso que parece justificar essa atuação”, disse. “Não vejo nulidade na atuação investigativa do Ministério Público, nos termos em que ela se deu no presente caso”, concluiu o ministro.
A defesa também afirmou que a acusação de prática de crimes contra a ordem tributária foi apresentada antes da apuração definitiva do suposto crédito tributário devido pelos acusados, o que seria ilegal e iria contra jurisprudência pacífica do Supremo na matéria.
“Na hipótese dos autos, tenho para mim que não há que se falar na aplicação da jurisprudência firmada por esta Corte. É que o presente caso não versa tão somente a apuração de sonegação de tributos, mas sim de procedimento administrativo investigatório instaurado pelo MP visando apurar suposta associação voltada para a prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal de modo a simular crédito tributário entre os anos de 2003 até abril de 2004. Portanto, não é a hipótese típica da sonegação”, explicou o relator.
Poder de investigação do MP
Ao longo de seu voto, o ministro Gilmar Mendes fez amplas reflexões sobre a possibilidade ou não de o Ministério Público realizar investigações. Ele lembrou que o tema está em votação no Plenário do Supremo, mas que, “enquanto não sobrevier uma decisão estabelecendo os exatos contornos e limites dessa atividade, é lícito ao MP investigar, obedecidos os limites e os controles ínsitos a essa atuação”.
O ministro advertiu que a atividade investigatória não é exclusiva da polícia judiciária e citou vários órgãos com poderes para tanto, como o Coaf, a Receita Federal, entre outros. “O próprio constituinte originário, ao delimitar o poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito, pareceu encampar esse entendimento”, disse. Ele classificou como “forma tacanha de hermenêutica constitucional” qualquer leitura que extraia uma “não decisão, um silêncio eloquente” diante de decisões explícitas do texto constitucional. “Ao permitir isto (a investigação policial), está a se proibir aquilo (a investigação do MP). Essa é uma interpretação literal empobrecida (da Constituição)”, afirmou.
Entretanto, o ministro Gilmar Mendes advertiu que o poder de investigar do MP não pode ser exercido “de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena da agredir inevitavelmente direitos fundamentais”. Como exemplo, ele lembrou que o inquérito policial também foi concebido como um instrumento de garantia do acusado. “Não obstante a ausência de contraditório, não deixa o inquérito policial de representar um procedimento legal de mediação entre o interesse do acusado e o direito de punir do Estado.” Assim, explicou, o inquérito assegura garantias mínimas ao acusado, tais como prazos, a supervisão judicial, a ciências das partes, a possibilidade de acompanhamento por meio de advogado, entre outros.
Para o ministro Gilmar Mendes, o tema do poder de investigação do MP comporta e reclama a disciplina legal para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. “É que esse campo tem se prestado ao abuso. Tudo isso é resultado de um contexto da falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público”, afirmou. De toda forma, o ministro avalia que “a ausência de uma disciplina normativa não invalida toda e qualquer atuação do Ministério Público, especialmente se ligada a elementos probatórios já existentes”.