A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Habeas Corpus (HC 94982) para determinar o encerramento de uma ação penal que corria na justiça paulista contra o administrador de empresas N.K.W.C., pela suposta prática de venda de produtos com marca falsa na conhecida rua comercial 25 de Março, na capital de São Paulo. A decisão se baseou no arquivamento, com trânsito em julgado, de um inquérito policial instaurado para apurar os mesmos fatos apontados na ação penal.
O julgamento, retomado na tarde desta terça-feira (31) com o voto-vista do ministro Ricardo Lewandowski, teve início em novembro de 2008. Na ocasião, a relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, revelou que foram abertos dois processos contra N.K. – um inquérito policial com base no artigo 184 do Código Penal, e uma ação penal, com base no artigo 189 da Lei 9.279/96, sobre propriedade intelectual. Mas os dois procedimentos tinham como pano de fundo exatamente o mesmo fato, a suposta venda de diversas mercadorias falsificadas com desenhos, produtos e obras intelectuais das empresas Time Warner Entertainment Company e Hanna Barbera Productions, explicou a ministra. Segundo a defesa, o suposto crime, ocorrido em agosto de 2003, foi objeto tanto do inquérito policial quanto da ação penal.
Conforme relatório lido pela ministra Cármen Lúcia, ainda em novembro, o próprio Ministério Público pediu a declaração da extinção de punibilidade com relação ao inquérito, visto que a vítima apontada não apresentou queixa-crime no prazo legal, ocorrendo a decadência. O juiz acolheu o pedido e arquivou o inquérito. Conforme a relatora, esta decisão transitou em julgado.
Diante disso, o administrador pediu arquivamento da ação penal instaurada perante a 2ª Vara Criminal de São Paulo, alegando ofensa à coisa julgada, tendo em vista que a ação penal tratava dos mesmos fatos examinados no inquérito policial arquivado. O pedido foi indeferido na primeira instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao votar pelo arquivamento definitivo da ação penal contra o administrador, a relatora concordou com a tese apresentada pelos advogados do administrador. “[A defesa] tem razão ao afirmar que os fatos que foram objeto do inquérito policial arquivado são os mesmos da ação penal instaurados contra o paciente.” De acordo com ela, o reconhecimento da coisa julgada se inspira no princípio da segurança jurídica, que tem importância especial no campo penal e, por isso, somente se admite a revisão criminal em favor do réu.
Cármen Lúcia concluiu explicando que “reforça, ainda mais, a conclusão, de um lado, o fato de o pedido ter partido do titular da ação penal pública, eventualmente cabível e, de outro, em razão da superveniência da Lei 11.719/08 que, ao alterar o artigo 397 do Código de Processo Penal, passou a reconhecer a extinção de punibilidade independentemente de sua causa como hipótese de absolvição sumária”, afirmou a ministra Cármen Lúcia. Para ela, o pedido deve ser deferido para arquivar a ação penal em curso na 2ª Vara Criminal de SP.
Vista
O ministro Ricardo Lewandowski seguiu o mesmo entendimento da relatora, no sentido de que os dois procedimentos tratavam do mesmo fato apurado. Com base no princípio do ne bis in iden (ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime), Lewandowski votou também pelo arquivamento da ação penal contra N.K.
Já os ministros Marco Aurélio e Carlos Alberto Menezes Direito discordaram da relatora, lembrando que a decisão que determinou o arquivamento do inquérito foi tomada quando já estava em curso a ação penal. A decisão de arquivamento não teria o poder de retroagir para alterar uma situação anterior, disseram os ministros.
Com o julgamento empatado – dois votos para cada tese, e com muitos apartes de todos os ministros presentes à sessão, o ministro Menezes Direito chegou a cogitar a possibilidade de se levar o caso para o Plenário, lembrando que o STF ainda não enfrentou essa questão.
O ministro Carlos Ayres Britto proferiu, contudo, voto de desempate, e decidiu acompanhar o entendimento da relatora, pelo arquivamento da ação. Afirmando que as duas teses estavam muito bem fundamentadas, Britto decidiu “optar por aquela que favorece o paciente (réu)”.
Assim, por três votos a dois, a Primeira Turma concedeu a ordem e determinou o arquivamento da ação penal contra o administrador de empresas N.K.
MB/LF
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