Por cinco votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou nesta tarde (8) denúncia (INQ 2191) oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o deputado federal Ciro Nogueira (PP-PI), pela suposta prática de prevaricação (quando agente ou funcionário público deixa de cumprir sua função para satisfazer interesse pessoal).
O parlamentar foi acusado de, na condição de quarto secretário da Câmara dos Deputados e responsável pela Coordenação de Habitação da Casa, acobertar ex-deputados que moravam irregularmente em apartamentos funcionais da Câmara. Segundo a denúncia, Ciro Nogueira teria sido movido pela “inequívoca amizade traduzida no companheirismo, no `espírito de corpo´, no coleguismo, alimentados ao longo do exercício da atividade parlamentar”.
O relator do inquérito, ministro Carlos Ayres Britto, e os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie concordaram que o MPF não indicou de forma convincente o interesse pessoal que teria movido o deputado a não desocupar os apartamentos. Os dois ministros que votaram pelo recebimento da denúncia foram Cezar Peluso e Marco Aurélio.
Ayres Britto afirmou que não seria adequado receber a denúncia “com base em presunção de amizade”. Ele acrescentou que o deputado chegou a tomar providências administrativas no caso e que 17, dos 19 apartamentos, acabaram sendo desocupados. O deputado teria sido omisso ao não comunicar o problema à Advocacia Geral da União (AGU), responsável pelo ajuizamento de ação de reintegração de posse dos apartamentos.
Segundo Ayres Britto, o caso “parece traduzir negligência no trato da coisa pública, que configura ilícito administrativo”. O ministro esclareceu que o deputado já responde a ações de improbidade administrativa sobre as supostas ilegalidades.
Para Menezes Direito, “a mera referência ao coleguismo ou ao corporativismo não é elemento bastante para justificar o recebimento da denúncia”. O ministro afirmou que o denunciado exerceu a função que lhe cabia ao encaminhar o caso pela via administrativa.
Ellen Gracie observou que o deputado se valeu de “procedimentos suasórios [persuasivos], ao invés de buscar solução judicial” para resolver o caso, iniciativa estimulada pelo próprio STF. Ela citou o Movimento de Conciliação, lançado pela Corte com o objetivo de retirar do Judiciário questões que possam ser resolvidas fora dele.
Divergência
O ministro Cezar Peluso rebateu o argumento de Ayres Britto de que o parlamentar teria cometido uma negligência. Para Peluso, como o deputado foi reiteradamente instado a agir por funcionário da direção da Coordenação de Habitação da Câmara, por meio de ofícios que alertavam para a situação irregular nos apartamentos, o fato de ele não ter atuado indica que houve “presunção de satisfação de interesse pessoal”.
Peluso acrescentou que a apuração da existência do dolo — do interesse pessoal que teria movido o parlamentar — deveria ocorrer no curso do processo, e não no momento do recebimento da denúncia. “Estamos rompendo com jurisprudência tradicional na casa“, que, segundo ele, não exige a demonstração da vontade com que agiu o denunciado no momento do recebimento da denúncia.
Marco Aurélio concordou. Para ele, a denúncia demonstra que houve “resistência” do deputado, que foi alertado reiteradamente a encaminhar o caso para a AGU. Ele acrescentou que, nessa fase do processo, basta que a narração da denúncia englobe o elemento subjetivo. “A denúncia transcreve ´n` provocações feitas junto àquele que tinha o poder e o dever de tomar providências.”
Majoração da pena
Durante o julgamento, os ministros discutiram a aplicação do parágrafo 2º do artigo 327 do Código Penal, que majora a pena e amplia o tempo de prescrição de crimes cometidos por funcionários públicos que exercem cargos comissionados ou função de direção ou assessoramento. A controvérsia era sobre a aplicação do dispositivo também para agentes públicos.
Por seis votos a um, os ministros decidiram que o dispositivo vale para agentes públicos que exerçam cargos de direção e coordenação. Com isso, Ciro Nogueira, como quarto secretário da Câmara dos Deputados, estaria enquadrado no dispositivo, fato que influenciaria no prazo de prescrição do crime e em uma eventual condenação do parlamentar.
“Não concebo que servidor público [que exerça cargo em comissão] fique sujeito ao aumento da pena e que o agente público não. Seria um paradoxo.”, disse o ministro Marco Aurélio, primeiro a defender a aplicação do dispositivo também a agentes públicos.
Ele foi acompanhado pelos ministros Cezar Peluzo, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e pelo próprio relator do inquérito, Carlos Ayres Britto, que evoluiu seu entendimento e mudou de posição ao longo das discussões. Segundo Ayres Britto, o artigo 327 “realmente amplia o conceito de funcionário público”, incluindo também os agentes políticos.
O único a discordar foi o ministro Menezes Direito. Para ele, não é possível equiparar cargo eletivo de parlamentar à noção de funcionário público. “Não equiparo o parlamentar a funcionário público.”
RR/LF
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