A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão de hoje (28), com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, o julgamento do Habeas Corpus (HC) 95518, impetrado pela defesa do doleiro Rubens Catenacci, condenado por crime contra o Sistema Financeiro Nacional (remessa ilegal de divisas ao exterior), que lesou os cofres públicos em meio bilhão de reais. Por maioria de votos, vencido o ministro Celso de Mello, a Turma rejeitou a alegação de suspeição do juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal de Curitiba (PR), especializada em julgamento de crimes de lavagem de dinheiro, na condução das ações penais contra Catenacci.
A defesa pretendia anular o processo sob o argumento de parcialidade do magistrado na condução do caso. Os ministros rejeitaram esse pedido, mas decidiram, nesse ponto, por unanimidade de votos, enviar os autos à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o órgão averigue se o comportamento do juiz caracterizou falta disciplinar. O ministro Celso de Mello votou (vencido) pela anulação do processo por entender que a conduta do juiz federal ao longo do procedimento penal violou o direito fundamental, de todo cidadão, de ser julgado com imparcialidade. Entre as condutas questionadas, está o monitoramento dos voos dos advogados de Catenacci (por meio de informações de companhias aéreas) para garantir a execução de ordem de prisão.
Em seu voto-vista, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator, ministro Eros Grau (aposentado) no sentido de rejeitar as alegações de nulidade do processo em razão da atuação do magistrado, mas inovou ao recomendar a expedição de ofício à Corregedoria Geral de Justiça (órgão do CNJ) para apurar se a conduta do magistrado federal configura falta disciplinar. Embora tenha reconhecido que as decisões do juiz no curso do processo tenham sido bem fundamentadas, o ministro Gilmar considerou que o magistrado teve condutas “censuráveis e até mesmo desastradas”, mas afirmou que não se pode confundir excessos com parcialidade.
“Em todos os decretos de prisão, houve fundamentação das razões de convencimento da necessidade da medida. Ainda que com ela não se concorde, o sistema processual funcionou em sua plenitude, permitindo a ampla defesa, tanto é que todas as decisões foram desafiadas por writ, uns exitosos; outros não. Evidentemente não estou a defender que a motivação do ato judicial, aliás pressuposto de sua validade, autorize qualquer absurdo, abuso ou autoritarismo. Não. Apenas constato que, no caso concreto, as decisões questionadas encontram-se fundamentadas e, portanto, passíveis de controle pela superior instância, como efetivamente ocorreu”, afirmou.
O ministro Celso de Mello, decano do STF, divergiu do voto do relator (que foi acompanhado também pelos ministros Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski), por entender que a sucessão de atos praticados pelo magistrado não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal. Para o ministro, a conduta do juiz gerou sua inabilitação para atuar na causa, atraindo a nulidade dos atos por ele praticados. Além de monitorar o deslocamento dos advogados do doleiro, a defesa alega que o juiz retardou o cumprimento de uma ordem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) porque estava redigindo uma nova ordem de prisão. Para o ministro, a conduta do magistrado fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor”, transformando-o em investigador.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pela rejeição do HC e afirmou que as alegações da defesa do doleiro revelam apenas “sua insatisfação com a condução rigorosa do processo pelo magistrado, o que não se confunde com a propalada arbitrariedade do juiz”. Rubens Catenacci é um dos quatro sócios da casa de câmbio paraguaia Imperial, envolvida em denúncias de remessas ilegais de dólares, via contas CC-5, à agência do Banestado, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Em 2003, o Ministério Público Federal denunciou os doleiros à Justiça Federal. A denúncia envolve 194 pessoas, entre ex-funcionários do Banestado, doleiros, empresários, banqueiros e políticos, que teriam enviado entre 1996 e 2000 cerca de US$ 30 bilhões para agência do Banestado, nos Estados Unidos.