O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deferiu o Habeas Corpus (HC) 155245 para declarar a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar a ação movida contra B.K.S., acusado do homicídio de um colega do 6º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada de Santa Maria (RS) num ritual de magia negra. Segundo o decano do STF, os fatos, cometidos por motivo estritamente pessoal, em local não sujeito à administração militar e sem qualquer conexão com a atividade militar, descaracterizam a configuração típica de crime militar. Na mesma decisão, o ministro determinou a soltura do réu, preso desde 2015, ao verificar excesso de prazo.
Segundo a denúncia, em agosto de 2015, o acusado, na época com 18 anos, teria matado um colega de corporação com facadas ao redor do coração e do pescoço. O motivo apontado seria a intenção de obter vantagem junto a uma seita de magia negra mediante o sacrifício de uma vida humana. Dois meses depois, ele foi expulso do Exército.
Conflito de competência
A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ao juízo da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, que decretou a prisão preventiva do acusado, que foi recolhido à Penitenciária Estadual de Santa Maria em janeiro de 2016. Em maio de 2017, o ex-militar foi pronunciado (decisão que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri) pelo crime de homicídio qualificado.
Contudo, segundo a Defensoria Pública da União, que o assiste, B.K. foi também denunciado pelo Ministério Público Militar pelos mesmos fatos, mas com base no Código Penal Militar. No exame de conflito de competência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, monocraticamente, pela competência a Justiça Militar, que deu prosseguimento ao feito. Por sua vez, o Superior Tribunal Militar (STM) negou habeas corpus em que a defesa questionava a competência da Justiça Militar, a manutenção da prisão e pedia rapidez no julgamento.
No HC dirigido ao Supremo, a Defensoria Pública pedia que o STF reconhecesse a incompetência da Justiça Militar, assegurasse ao réu a liberdade provisória e o direito de permanecer em liberdade no curso do processo.
Delitos militares
Na decisão, o ministro Celso de Mello assinala, citando doutrina e precedentes, que o foro especial da Justiça Militar não existe para os crimes dos militares, mas para os delitos militares, que podem ser cometidos tanto por militares quanto por civis nas circunstâncias expressamente previstas no artigo 9º do Código Penal Militar. O caso dos autos, a seu ver, não se enquadra nessa hipótese, que supõe que as infrações afetem a organização das Forças Armadas, comprometam os valores da disciplina e da hierarquia militares e transgridam as instituições, a administração e o patrimônio militar. Segundo o relator, o fato delituoso atribuído ao ex-militar não guarda qualquer elemento de conexão que possa autorizar o reconhecimento de crime militar.
Excesso de prazo
Em relação à prisão cautelar, o ministro verificou que B.K. está preso há mais de três anos sem que sequer tenha sido julgado pelo Tribunal do Júri, o que, a seu ver, permite reconhecer a superação injustificada dos prazos processuais pelas instâncias inferiores. “Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de segregação cautelar do acusado, mesmo que se trate de crime hediondo”, afirmou.
“Uma vez configurado excesso irrazoável na duração da prisão cautelar do réu, este não pode permanecer exposto a uma situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal”, enfatizou.
Ao deferir o habeas corpus, o ministro, mantendo a validade dos atos processuais praticados perante a Justiça Comum, anulou o procedimento penal instaurado perante a Justiça Militar, determinou que o juízo da 1ª Vara Criminal de Santa Maria processe o feito e determinou a soltura de B.K.S., facultando ao juízo local a aplicação de medidas cautelares alternativas.