Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Habeas Corpus (HC 107701) para que M.G.S., que cumpre pena de quase 39 anos de reclusão no Rio Grande do Sul, receba a visita de seus dois filhos, de dez e onze anos, e de seus três enteados, também menores de idade. M.G.S. está preso desde o dia 19 de setembro de 2001.
O relator do habeas corpus, ministro Gilmar Mendes, havia concedido liminar no dia 11 de abril deste ano para que o condenado recebesse a visita dos filhos, mas, nesta tarde, após sugestão do ministro Ricardo Lewandowski, ampliou sua decisão para também permitir que os enteados visitem M.G.S. Os ministros Celso de Mello e Ayres Britto também concordaram.
Na liminar, Gilmar Mendes registrou que não ficou demonstrado o vínculo familiar do condenado com seus enteados, mas hoje ele aderiu à argumentação de Lewandowski no sentido de que dispositivo da Lei de Execução Penal (inciso X do artigo 41 da Lei 7.210/84) assegura ao preso não somente a visita do cônjuge, da companheira e de parentes mas também de amigos.
“Portanto, a existência do vínculo familiar como fundamento para a denegação da visita dos enteados não me parece muito sólido, até porque, se é possível a visita de amigos, porque não a de enteados”, disse Lewandowski.
Saúde física e psicológica
A primeira tentativa da defesa de obter autorização para que as crianças pudessem visitar M.G.S. foi feita perante o Juízo da Vara das Execuções Criminais de Porto Alegre (RS). Lá, o pedido foi negado sob o argumento de que as crianças seriam expostas a um ambiente impróprio, que poderia prejudicar a formação psíquica delas.
A defesa recorreu, então, ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que também ressaltou a necessidade de se preservar a saúde física e psicológica das crianças ao negar o pedido de autorização das visitas.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pedido foi novamente negado em decisão liminar sob o fundamento de que o habeas corpus permitiria somente analisar o direito de ir vir do cidadão, o que não seria o caso.
Liberdade e ressocialização
Ao votar, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que o STF já alargou o campo de abrangência do habeas corpus e analisa, por exemplo, pedidos contra instauração de inquérito criminal para a tomada de depoimento, recebimento de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri, entre outros.
“É por isso que reputo que a liberdade de locomoção há de ser entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir ou mesmo agravar as restrições ao direito de liberdade”, disse.
Para o ministro, é equivocada a tese que considera ser incabível habeas corpus que discuta o direito do preso de receber a visita de seus filhos e enteados. “Em linhas gerais, o direito de visita nada mais é do que um desdobramento do chamado direito de liberdade. De fato, só há falar em direito de visita porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida”, observou. Segundo Gilmar Mendes, a decisão do juízo da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre repercutiu diretamente na esfera da liberdade do condenado ao agravar ainda mais o grau de restrição dessa liberdade.
O caráter ressocializador da pena foi outro ponto fundamental do voto do ministro Gilmar Mendes. Nesse sentido, ele citou a existência de normas da Lei de Execução Penal, de regras internacionais, como as regras mínimas para tratamento de prisioneiros da ONU (Organização das Nações Unidas), e o princípio da humanidade como sendo um dos nortes da Constituição Federal.
Para o ministro, se se levar em conta que uma das finalidades da pena é a ressocialização, eventuais erros do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, “sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social”.
O ministro também rechaçou as decisões judiciais que impediram as visitas sob o fundamento de manter a integridade física e psíquica das crianças. Ele concordou que é de conhecimento geral as condições desumanas do sistema carcerário brasileiro. “Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização do apenado e partindo-se da premissa de que o convívio familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público o dever de propiciar meios para que o apenado possa receber visitas de seus filhos em ambiente minimamente aceitável”, concluiu.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator.
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