A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) para formular pedido de prisão cautelar para fins de extradição de um norte-americano que responde, na Justiça Federal dos Estados Unidos, pelo delito de acesso não autorizado a um computador protegido. No mérito, porém, o pedido foi negado, porque o crime do qual o estrangeiro é acusado não existia no ordenamento jurídico brasileiro na época em que foi praticado.
A discussão ocorreu no julgamento de questão de ordem no pedido de Prisão Preventiva para Extradição (PPE) 732. O relator, ministro Celso de Mello, ressaltou preliminarmente que, embora o pedido não tenha sido formulado por estado estrangeiro, a Lei 12.878/2013, que alterou o Estatuto do Estrangeiro, concedeu à Interpol legitimidade ativa para apresentar tal pedido ao Ministério da Justiça.
No pedido, a Interpol assinala que o delito, previsto no Código Penal dos EUA (U.S.Code), equivale ao previsto no artigo 154-A do Código Penal brasileiro (“invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo”).
Dupla tipicidade
No exame do mérito do pedido, o relator explicou que o delito do qual o estrangeiro é acusado ocorreu entre 02 e 05/12/2011, e a inclusão do artigo 154-A no Código Penal brasileiro só se deu no ano seguinte, com a Lei 12.737/2012 – que, por sua vez, só entrou em vigor em abril de 2013. O fato de não haver, no momento dos fatos, tipificação desse crime informático na legislação penal brasileira descaracteriza o requisito da dupla tipicidade exigido nos pedidos de extradição – ou seja, a conduta objeto da acusação tem de ser simultânea e juridicamente qualificada como crime, no momento de sua prática, tanto no Brasil quanto no Estado estrangeiro interessado.
Celso de Mello também assinalou que o tratado de extradição celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos, ao contrário dos tratados assinados com outros países, possui cláusula que só permite a extradição quando o delito estiver expressamente previsto em rol exaustivo constante daquela convenção internacional – o que não ocorre no delito examinado, definido como "invasão de dispositivo informático".
“A ausência desses dois requisitos torna inadmissível a própria extradição, o que afasta a possibilidade de se ordenar a prisão preventiva”, afirmou o relator. “Essa modalidade de privação da liberdade é providência meramente cautelar e provisória, vinculada ao destino da causa principal: se inadmissível a extradição, incabível a prisão preventiva para fins extradicionais”, concluiu o ministro Celso de Mello.