“Direito de Mentir” do Réu

Arthur Gabriel Rodrigues do Amaral

 

Muito se discute na doutrina e na jurisprudência o direito do réu de utilizar-se da mentira como instrumento de defesa no processo criminal; se existiria um "direito de mentir" em decorrência do princípio nemo tenetur se detegere e das garantias constitucionais à ampla defesa e ao silêncio previstas na Constituição Federal de 1988. O presente opúsculo não tem por objetivo identificar a existência cabal ou não de tal direito, mas sim apontar brevemente as limitações legais impostas ao direito de defesa do réu, intrinsicamente ligadas ao direito a não auto incriminação, e do qual decorre a alegada permissividade jurídica à mentira.

 

É direito fundamental basilar a liberdade do indivíduo para fazer ou deixar de fazer o que lhe aprouver, a não ser que o contrário seja exigido por lei. Ou seja, a não ser que haja vedação advinda de lei (e lei em sentido estrito), determinada conduta não poderá acarretar em responsabilidade jurídica (não obstante possa ser moral ou eticamente reprovada pela sociedade), seja essa civil ou criminal.

 

No tocante ao direito criminal, o qual preza pela estrita legalidade e tipicidade, nossa constituição traz que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (artigo 5º, XXXIX). Expandindo do permissivo constitucional albergado no inciso II do mesmo artigo, tal determinação restringe ainda mais a possibilidade de responsabilização criminal do indivíduo às condutas definidas em lei como passíveis desse tipo de responsabilização. Portanto, ao contrário da responsabilização civil, as condutas tidas como criminosas deverão estar especificadas em lei, e não são passíveis de interpretação analógica ou extensiva (ou seja, a conduta realizada pelo agente deverá corresponder exatamente à conduta descrita no dispositivo legal penal pertinente).

 

O inciso LXIII do artigo 5º da CF/88 reza: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (g.n.). Em decorrência do direito a não-autoincriminação trazido pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, nossa constituição federal diz que o preso (e por extensão o réu em processo criminal) tem o direito de permanecer calado, ou seja, tem o direito de não oferecer elementos probatórios negativos para sua defesa no curso do processo criminal (ou do inquérito policial). A constituição e nosso ordenamento jurídico em geral é silente quanto à eventual direito ou proibição do réu de apresentar elementos falsos como meio de defesa, em decorrência dos princípios constitucionais retro mencionados, ao contrário do que ocorre com testemunhas, peritos, tradutores e intérpretes, cuja mentira em processo judicial, administrativo ou inquérito policial é conduta criminosa prevista no Código Penal e passível de prisão.

 

Conforme mencionamos anteriormente, o direito penal é norteado pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, ou seja, a não ser que uma conduta específica esteja listada no rol taxativo daquelas passíveis de responsabilização penal elaborado pelo legislador, não poderá o indivíduo ser penalizado criminalmente por sua ação ou omissão. No tocante à possibilidade ou não do réu mentir no curso do processo (ou do inquérito policial), uma análise fria da lei nos deixa a entender que não há uma proibição legal para sua realização.

 

No entanto, importante notar que, apesar do ato de mentir não ser, a nosso ver, vedado pela lei, o teor da mentira pode constituir fato típico, ou seja, dependendo da mentira do réu, a conduta poderá ser criminosa. É o caso, por exemplo, do réu que imputa o crime a um terceiro que sabe inocente, dando causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra este terceiro (denunciação caluniosa), ou que provoca a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado (comunicação falsa de crime ou de contravenção).

 

Em razão do exposto, entendemos que, apesar de não haver uma proibição expressa em nosso ordenamento jurídico à mentira pelo réu, como ocorre no caso de testemunhas ou peritos, por exemplo, também não é previsto um direito (constitucional ou não) do réu de mentir no curso do processo criminal ou inquérito policial. Ao réu, portanto,não é conferida uma "carta branca" para utilizar todo e qualquer meio de defesa disponível, podendo ser responsabilizado por suas palavras no curso do processo ou inquérito policial caso, ao mentir, incorra em uma conduta tipificada.

 

Comments are closed.