Por votação majoritária, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, nesta terça-feira (27), o Habeas Corpus (HC) 95154 e determinou o trancamento, em definitivo, de ação penal em curso contra proprietário de terreno na cidade de Ubatuba (SP), pelo suposto crime de dano ambiental.
Dono, desde 1981, de uma área de 2.840 metros quadrados localizada no Parque Estadual da Serra do Mar, em Ubatuba, no litoral norte do Estado de São Paulo, ele era acusado de dano ambiental por supostamente ter desmatado parte da área, nela introduzido espécies exógenas e plantado mandioca, posteriormente substituída por gramíneas, além de ter deixado parte da área exposta ao sol e nela ter construído um heliponto.
O HC foi trazido hoje de volta a julgamento pelo ministro Gilmar Mendes que, em outubro de 2010, pediu vista do processo, quando o relator, ministro Ayres Britto, e a ministra Ellen Gracie (aposentada) haviam indeferido o pedido nele formulado.
Excesso
Inicialmente, o Ministério Público estadual de São Paulo havia indiciado o dono do terreno por uma série de crimes elencados na Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). Entretanto, em HC julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) com pedido de extinção da ação penal, aquela Corte entendeu que havia excesso acusatório e deferiu parcialmente o pedido, retirando da acusação os crimes previstos nos artigos 38 e 39 da referida lei. Além disso, o Ministério Público estadual de São Paulo retirou a acusação pelo crime previsto no artigo 48 da mesma lei, de modo que restou apenas a imputação de dano ambiental, crime previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98 – causar dano direto ou indireto às unidades de conservação e às áreas que as circundam num raio de até dez quilômetros.
No seu voto-vista, o ministro Gilmar Mendes mostrou que, na escritura de compra do terreno, que data de 1981, consta que a área havia sido desmatada para plantio de mandioca pelos proprietários anteriores, tanto que o direito por sua colheita ficou expressamente assentado no contrato de compra e venda. Além disso, a lei sobre punição por danos ambientais (Lei 9.605) só veio a ser sancionada 17 anos depois (em 1998).
Assim, não haveria justa causa para a imputação, até mesmo porque o crime não existia, quando ocorreu o desmatamento. Seria também um crime atípico, uma vez que não foi praticado pelo atual dono do lote. Até mesmo porque não lhe foi imputado o crime previsto pelo artigo 48 da mesma lei, que prevê pena para o crime de impedir ou dificultar a regeneração da floresta ou de outros tipos de vegetação original.
Além de considerar que muitas das leis hoje existentes no Brasil sobre crimes ambientais são “de difícil aplicação”, o ministro Gilmar Mendes disse não ver nexo entre a conduta imputada ao dono do terreno e o dano supostamente por ele causado ao meio ambiente, que pode até ser revertido no tempo.
Diante dessa argumentação, o ministro Ayres Britto reviu sua posição sobre o caso, afirmando que não o tinha analisado sob o enfoque trazido pelo ministro Gilmar Mendes, segundo o qual há várias leis sobre meio ambiente, cuja aplicabilidade terá de confirmar-se no tempo. O relator do processo disse que havia baseado seu voto em laudos do Instituto de Criminalística paulista e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que atestavam danos à área do parque estadual.
Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que, no caso em discussão, além de o dano ser preexistente, por ter sido praticado antes de 1981 pelos antigos donos, o terreno se confronta com diversos outros lotes, ocupados por moradias. Diante disso, ele questionou: “O que causa mais dano: as gramíneas ou as moradias?” Ademais, segundo o ministro Gilmar Mendes, “não é possível utilizar o direito penal para todas as nossas mazelas sociais”.
Assim como o ministro Ayres Britto, também o ministro Celso de Mello acompanhou o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, ficando vencida apenas a ministra Ellen Gracie (aposentada), que negou o pedido de HC em outubro de 2010.