O ex-técnico da Receita Federal Marcus Fabrizzio Monteiro Domingues terá que apelar, preso, da condenação à pena de 33 anos e oito meses em regime inicialmente fechado, em presídio de segurança máxima, além de perda do cargo e multa, que lhe foi imposta pelo Juízo da 3ª Vara da Justiça Federal no Amazonas. Ele foi acusado do crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (Lei 9.613/98) contra a Zona Franca de Manaus, que teriam resultado em prejuízo mensal da ordem de R$ 10 milhões aos cofres públicos.
Basicamente, esse crime teria propiciado a importação, com isenção tributária de que gozam as indústrias da Zona Franca de Manaus, de produtos eletrônicos acabados como se fossem componentes, e sua posterior venda ao consumidor, sem o devido recolhimento de tributos.
A decisão foi tomada, nesta quinta-feira (5), pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus (HC) 83868, impetrado na Corte contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de negar igual pedido lá formulado. Com a decisão, foi cassada liminar concedida em abril de 2004 pelo próprio Plenário, para que Marcus Fabrizzio aguardasse em liberdade o julgamento do HC.
Esse julgamento foi iniciado em 14 de abril de 2004. Em 12 de maio daquele ano, quando de sua continuação, a ministra Ellen Gracie pediu vista, quando o relator, ministro Marco Aurélio, havia votado pela concessão do habeas. E hoje a ministra trouxe a matéria de volta ao Plenário.
Debates
A questão central nos debates em torno do pedido formulado no HC é a constitucionalidade do artigo 3º da Lei 6.913, um dos fundamentos utilizados pela juíza de primeiro grau para decretar a prisão de Marcos Fabrizzio e de corréus no mesmo processo. Este dispositivo dispõe que os crimes disciplinados na mencionada lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e que, em caso de sentença condenatória, o juiz deverá decidir, fundamentadamente, se o réu poderá apelar em liberdade.
A corrente vencida no julgamento de hoje sustentou a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.613/98, por entender que ela propicia ao juiz decretar uma prisão automática do réu condenado. E isso, no seu entender do relator, ministro Marco Aurélio, significa uma antecipação do cumprimento da pena, contrariando a presunção de inocência prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF) e jurisprudência da própria Corte. A essa corrente se filiaram, além do relator, os ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Eros Grau.
O ministro Cezar Peluso sustentou, em defesa dessa corrente, que os crimes de que Marcus Fabrizzio é acusado não incluem nenhum dos crimes considerados hediondos, que justificariam a prisão. Até mesmo porque todos os réus responderam em liberdade ao processo, durante sua fase de instrução. Além disso, corréus obtiveram Habeas Corpus do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que lhes permitiu aguardarem em liberdade o seu julgamento.
Prevaleceu, entretanto, a corrente que considerou que não foi o artigo 3º da Lei 9.613 o fundamento determinante para decretação da prisão. A ministra Ellen Gracie, que abriu a divergência, e os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto entenderam que a juíza de primeiro grau fundamentou bem as razões da prisão preventiva, apoiando-se em pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), sobretudo o da garantia da ordem pública.
Eles endossaram a fundamentação da juíza federal de primeiro grau, segundo a qual o réu, embora tecnicamente primário, apresenta eleva do grau de reprovabilidade social, ao atentar contra os fundamentos da República. Isso porque, como brasileiro – e ainda servidor público – teria auxiliado particulares a criarem um Estado paralelo, facilitando o contrabando e a omissão do recolhimento de tributos.
Ao facilitar a entrada ilegal de produtos importados, conforme assinalou ainda a juíza, teria afetado o mercado de trabalho e a livre iniciativa. Além disso, o ex-servidor teria evidenciado falta de decoro na função pública que exercia. Seu menosprezo pelas normas legais poderia, ainda segundo a juíza, “gerar indesejável situação de impunidade, abalando a credibilidade da Justiça”. Esses argumentos foram endossados pelos ministros que votaram contra a concessão do HC.
FK/LF
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