A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu aguardar o retorno do ministro Ricardo Lewandowski, licenciado por motivo de saúde, para a conclusão do julgamento do Inquérito (INQ) 4005, no qual o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra o senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), Aldo Guedes Álvaro e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho. Na sessão desta terça-feira (5), houve empate quanto ao recebimento da denúncia.
Fernando Bezerra e Aldo Álvaro foram denunciados pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e Lyra apenas pelo segundo delito. Segundo o MPF, os dois primeiros teriam intermediado o repasse de vantagens indevidas, da ordem de R$ 20 milhões, recebidas das empreiteiras Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e OAS para a campanha do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). As vantagens teriam como contrapartida a atuação de Bezerra, então secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, para favorecimento das empreiteiras, que atuavam em consórcio na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE).
Relator
Para o relator do Inquérito 4005, ministro Edson Fachin, a denúncia traz elementos suficientes para seu acolhimento nessa etapa processual, no sentido da possível existência de um “grupo pernambucano” responsável pela intermediação, recebimento e repasse dos recursos indevidos, integrados pelos acusados. “O foco dos fatos aqui é o que aponta para a dinâmica da política da época, segundo a qual haveria favorecimento dos envolvidos, valendo-se dos cargos e de alianças e celebrando pactos escusos para lograr vantagens ilícitas”, assinalou.
Fachin lembrou que Fernando Bezerra, com a primeira eleição de Eduardo Campos ao governo, foi secretário de Desenvolvimento Econômico e, nessa condição, presidente do Complexo de Suape, estreitamente relacionado à refinaria, especialmente em relação às obras de infraestrutura e incentivos tributários. “Na construção da refinaria, surgiram indícios de repasse de verbas escusas pelos empresários, de forma disfarçada, mediante estratégias de ocultação da vantagem indevida”, observou.
Segundo o relator, a denúncia vai além das informações fornecidas por Paulo Roberto Costa, então diretor de abastecimento da Petrobras, e do doleiro Alberto Yousseff em acordos de colaboração. “Os elementos da colaboração são corroborados por outros, como registros de acesso do senador na sede da Petrobras no Rio de Janeiro para encontro com Paulo Roberto Costa e anotações da agenda oficial do colaborador alusivas a compromissos com autoridades pernambucanas em torno da Refinaria Abreu e Lima”, apontou.
O ministro destacou também que o senador, à época exercendo o cargo de secretário de estado, teria tido condições de atuar com parcialidade em prol das empresas que aderissem ao esquema, e lembrou que boa parte dos expedientes relativos às obras da refinaria entre 2006 e 2014 foi assinada por Campos, por Bezerra ou pelos dois, inclusive por Paulo Roberto Costa. “Tais elementos caracterizam ao menos indiciariamente, para esta etapa, atos de contraprestação”, afirmou.
Com relação à imputação de lavagem de dinheiro, Fachin mencionou que as doações das empreiteiras à campanha de Campos em 2010 foram significativamente superiores aos gastos dos demais candidatos, o que evidencia possível pagamento de vantagem indevida. Boa parte desses recursos provinham de contratos fictícios com empresas de construção e terraplenagem.
Para o relator, a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, que exige que ela contenha a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. O ministro, no entanto, excluiu da denúncia a causa de aumento de pena no crime corrupção passiva, nos termos do artigo 327, parágrafo 2º, do Código Penal (prevê aumento de um terço quando os autores dos crimes forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração pública), pois, segundo explicou, é incabível sua aplicação pelo mero exercício do mandato popular. Também considerou inaplicável ao caso a majoração da pena no delito de lavagem de dinheiro. Seu voto foi seguido pelo ministro Celso de Mello.
Divergência
Para o ministro Gilmar Mendes, que divergiu do relator, a denúncia não cumpriu os requisitos legais para seu recebimento. “Fora a palavra dos colaboradores, não há indícios contra o senador acusado”, afirmou. Entre outros pontos, ele destacou que Bezerra assumiu a secretaria estadual em janeiro de 2007, e os incentivos fiscais que beneficiariam as empreiteiras estão previstos em lei estadual de 2006. Os registros de acesso à sede da Petrobras, a seu ver, são compatíveis com a condição de secretário de estado, da mesma forma que as reuniões com os executivos das empresas. “O vínculo entre as doações e os atos de ofício não parecem amparados por outros elementos além dos depoimentos”, assinalou. “A falta de provas de corrupção passiva também afasta a imputação de lavagem de dinheiro”.
O voto do ministro Gilmar Mendes, pelo não recebimento da denúncia contra o senador e pela remessa dos autos quanto aos demais acusados às instâncias ordinárias, foi seguido pelo ministro Dias Toffoli. Para Toffoli, os indícios são de que o esquema seria coordenado pelo ex-governador Eduardo Campos, e não por Fernando Bezerra. “Na ausência da pessoa física e natural que faleceu, procurou-se trazer elementos colhidos e apontar outra pessoa pelos atos imputados”, afirmou.
Empate
Diante do empate, a Turma, por maioria, decidiu, com base no parágrafo 1º do artigo 150 do Regimento Interno do STF, adiar a decisão até a tomada do voto do quinto integrante do colegiado, ministro Ricardo Lewandowski. Neste ponto, ficou vencido o ministro Gilmar Mendes ao entender que, na discussão sobre o recebimento da denúncia, o empate deve favorecer o réu (in dubio pro reo).