“Deve-se prestigiar a função constitucional excepcional do habeas corpus, evitando sua utilização indiscriminada, sob pena de desmoralizar o sistema ordinário de recursos.” O entendimento do ministro Gilson Dipp serviu de base para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negar-se a apreciar habeas corpus contra suposta violação de lei federal relativa a audiências criminais.
“Penso que tentar proteger os limites do habeas corpus é fazer respeitar sua credibilidade e funcionalidade, o que parece deva ser também uma importante missão deste Tribunal”, completou o relator.
“A questão posta neste habeas corpus é exemplar. O recurso especial, instrumento ordinariamente previsto no ordenamento jurídico para que esta Corte Superior analise eventual ofensa à legislação federal na condução da audiência de instrução e julgamento, aqui deliberadamente desdenhado, não pode ser substituído pelo habeas corpus, exceção que se liga necessariamente à violência, à coação, à ilegalidade ou ao abuso – circunstâncias que obviamente não constituem a regra, senão a exceção –, donde seu uso reclama naturalmente as restrições da exceção”, acrescentou.
Sala reservada
O caso trata do interrogatório de réu que resultou em sua condenação a oito anos de reclusão em regime inicial fechado por tráfico de drogas, após ter sido preso em flagrante com 116 quilos de maconha. A nulidade apontada pela defesa decorreria da negativa, pelo juiz, de conversa em sala privativa entre o advogado e o acusado. Também se protestava quanto à realização da audiência do réu antes das testemunhas.
“A defesa não buscou o exame da irresignação em grau de cognição mais amplo, optando, por via oblíqua, utilizar-se da via estreita do writ, em vez do regime recursal reservado pelos mecanismos legais, previsto e estruturado racionalmente para alcançar os resultados que aqui se almejam”, criticou o ministro Dipp.
“O que pondero, sem pretender desmerecer a jurisprudência, é que seja a impetração compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal preexistente e coexistente, para que não se perca a razão lógica e sistemática dos recursos ordinários e mesmo dos excepcionais por uma irrefletida banalização e vulgarização do habeas-corpus, hoje praticamente erigido em remédio para qualquer irresignação, no mais das vezes muito longe de qualquer alegação de violência ou coação contra a liberdade de locomoção”, sustentou o relator.
O ministro destacou também que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) fundamentou adequadamente a decisão que negou o habeas corpus na origem. Segundo o TJSP, o juiz concedeu à defesa que conversasse com o réu em voz baixa, mas não a sós, na sala de audiência, por não existir no fórum local destinado à entrevista reservada.
O magistrado justificou a medida também pelas “várias e recentes” tentativas de fuga ocorridas na comarca, “com consequências desastrosas”. Foram observadas ainda as cautelas estabelecidas pelo juiz corregedor de presídios local, que não poderiam ser afrouxadas diante das circunstâncias.
Prejuízo efetivo
Quanto à realização do interrogatório do réu antes das testemunhas, o ministro Gilson Dipp apontou que a questão não foi submetida pela defesa ao TJSP, o que impede sua apreciação pelo STJ em razão da impossibilidade de supressão de instância. O juiz justificou a medida com o argumento de que o delito em julgamento segue rito próprio e especial.
Em relação à vedação de conversa reservada, o relator afirmou que a defesa não protestou contra as alegadas nulidades na audiência de instrução e julgamento logo após sua ocorrência, como exige o Código de Processo Penal.
Por isso, a questão estaria preclusa, por não ter sido alegada no momento adequado. Além disso, segundo o ministro, a defesa não conseguiu demonstrar que o réu tenha sofrido algum prejuízo efetivo pelo fato de ele e seu advogado precisarem conversar em voz baixa na própria sala de audiências, devido à ausência de sala especial no fórum.
O habeas corpus não foi conhecido “por consistir utilização inadequada da garantia constitucional, em substituição aos recursos ordinariamente previstos nas leis processuais”. A ministra Laurita Vaz ficou vencida, por entender que o habeas corpus, por se tratar de ação, deveria ser negado em vez de não conhecido. Para ela, essa condição seria reservada aos recursos.
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