Íntegra De Despacho Do Ministro Celso De Mello Sobre Proposta De Transação Penal Feita A Deputado

DESPACHO: O eminente Procurador-Geral da República,
entendendo presentes os requisitos que autorizam a adoção da medida
despenalizadora a que se refere o art. 76 da Lei nº 9.099/95, propôs
transação penal ao ora indiciado (fls. 272/276), fazendo-o nos
seguintes termos (fls. 275/276):
“6. Ao crime de desacato, previsto no art. 331 do Código
Penal, comina-se pena de 6 (seis) meses e 2 (dois) anos de
detenção, tratando-se, portanto, de infração de menor
potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.099/95.
7. Analisando as certidões de antecedentes criminais
juntadas aos autos, verifica-se que João Carlos Paolilo
Bacelar Filho preenche os requisitos para a transação
penal, prevista no art. 76, § 2º, da Lei nº 9.099/95,
benefício ora proposto ao parlamentar nos seguintes termos:
‘a) doação pessoal bimestral, 2 (dois) anos, de
1 (um) salário mínimo à instituição beneficente Casa de
Moisés, localizada na Quadra 57, lote 16, Área
Especial, Setor 7, Águas Lindas de Goiás/GO, telefone
(61) 3618-5322.’
8. Diante do exposto, o Ministério Público Federal
requer a intimação do Deputado Federal João Carlos Paolilo
Bacelar Filho para que se manifeste sobre a aceitação ou não
do benefício da transação penal, nos termos propostos.”
(grifei)
Cabe acentuar, neste ponto, por necessário, que o Plenário
do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questão de ordem suscitada
no Inq 1.055/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 162/483-484),
entendeu plenamente aplicáveis, aos procedimentos penais originários
instaurados perante esta Corte, as medidas de despenalização
previstas na Lei nº 9.099/95 (dentre as quais, a transação penal),
em ordem a privilegiar a ampliação do espaço de consenso em sede
penal, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias
oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na
própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual
penal.
O fundamento normativo da medida em questão reside, como
acentuado, no art. 76 da Lei nº 9.099/95. Essa norma legal revela
tratar-se, a transação penal, de processo técnico de despenalização
resultante da expressiva transformação do panorama penal vigente no
Brasil e cuja “ratio” deriva da deliberada intenção do Estado de
evitar, não só a instauração do processo penal, mas, também, a
própria imposição de pena privativa de liberdade, quando se tratar,
como sucede na espécie, de infração penal revestida de menor
potencial ofensivo (RTJ 162/483-484).
Esse entendimento encontra pleno suporte no magistério da
doutrina (HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO, “Breves Anotações ao
Instituto da Transação Penal” “in” Revista dos Tribunais,
vol. 758/419-428; JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “O Processo Penal
Norte-Americano e Sua Influência” “in” Revista de Processo,
vol. 103/95-107, 103; ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “A
Indisponibilidade da Ação Penal (Enfoque Anterior e em Face da
Lei nº 9.099/95)” “in” Revista da Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, vol. 9/65-84,
81), que põe em destaque o caráter consensual da transação penal,
assinalando-lhe, ainda, em face da natureza dúplice de que tal
instituto se reveste, a sua eficácia extintiva, que opera tanto no
plano da “persecutio criminis” (efeito formal) quanto no da própria
punibilidade do agente (efeito material).
Assentadas tais premissas, impõe-se registrar que a
concordância do indiciado, para viabilizar-se, depende da observância
dos termos fixados pelo art. 76, § 3º da Lei nº 9.099/95, que assim
dispõe:
“Aceita a proposta pelo autor da infração e seu
defensor, será submetida à apreciação do Juiz.” (grifei)
Vê-se, desse modo, que a aceitação da proposta de transação
penal deve ser pessoalmente assumida pelo próprio interessado
(Lei nº 9.099/95, art. 76, §§ 3º e 4º), além de subscrita por seu
mandatário judicial (GERALDO PRADO e LUIS GUSTAVO GRANDINETTI
CASTANHO DE CARVALHO, “Lei dos Juizados Especiais Criminais”, p. 145,
3ª ed., 2003, Lumen Juris; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO,
“Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais”, p. 117,
3ª ed., 2003, Saraiva), sob pena de inaplicabilidade do instituto do
“nolo contendere”, valendo referir, no ponto, a precisa lição de ADA
PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ANTONIO SCARANCE
FERNANDES e LUIZ FLÁVIO GOMES (“Juizados Especiais Criminais”,
p. 163, 5ª ed., 2005, RT):
“A proposta, para ser homologada pelo juiz, deve
necessariamente contar com a aceitação expressa do autuado
e de seu defensor (...).
A manifestação de vontade do autor do fato é
personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e
tecnicamente assistida: (...).
O autuado, seguro de sua inocência e devidamente
orientado pela defesa técnica, poderá preferir responder
ao processo para lograr absolvição. Ou poderá não
concordar com os termos da proposta formulada e,
considerando seus prós e contras, escolher a via
jurisdicional. Nada se poderá fazer sem o consenso do
autor do fato.” (grifei)
Notifique-se, portanto, pessoalmente, o ora indiciado, para
que se pronuncie, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a
proposta de transação penal formulada pelo eminente Procurador-Geral
da República (fls. 272/276).
O mandado de notificação deverá ser instruído com cópia do
presente despacho e da proposta de transação penal de fls. 272/276.
Publique-se.
Brasília, 17 de fevereiro de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

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