Os magistrados Sidnei Brzuska, juiz de execução penal do Estado do Rio Grande do Sul, e José de Ribamar Fróz Sobrinho, desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), revelaram como a atuação de facções criminosas interfere no funcionamento do sistema carcerário e dificulta a aplicação de penas do regime semiaberto. As informações foram prestadas durante a audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o sistema prisional, relativa ao Recurso Extraordinário (RE) 641320, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. O processo discute a possibilidade de se cumprir pena de prisão domiciliar caso não exista vaga em regime semiaberto.
Segundo o relato dos juízes, as fações criminosas distorcem a aplicação do regime semiaberto ao dificultar a alocação de presos em determinadas casas de detenção, como decorrência das rivalidades entre diferentes grupos. Outra ação dos grupos é promover fugas maciças de presos do regime semiaberto a fim de obter vagas para membros da organização, e usar detentos beneficiados pela progressão para prática de crimes.
Rio Grande do Sul
“Quem passou a determinar as progressões não foi mais o juiz, não foi mais o estado. Quem passou a determinar as progressões foram as facções. Instaladas no regime fechado, as organizações determinavam que o preso fugisse, para que abrisse vaga”, afirma o juiz Sidnei Brzuska, da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao abordar as consequências de se manter os presos no regime fechado. Nas prisões em que não havia o controle de facção, as vagas de semiaberto viraram objeto de comércio - quem não pagava, os mais pobres, continuavam em regime fechado.
O resultado revelou-se nos números apresentados pelo magistrado: o Rio Grande do Sul possui cerca de 30 mil presos, dos quais 20% estão no regime semiaberto. Mas instituições do regime registraram, nos últimos três anos, 24.400 fugas.
A alocação sem critério de presos nas poucas vagas do semiaberto tem como resultado a prática de assassinatos, relatou o juiz. Nos últimos três anos, foram registrados 24 assassinatos de presos dentro das carceragens do regime semiaberto, além de casos não confirmados e desaparecidos.
Maranhão
“Não adianta lotar o presídio de condenados a semiaberto, ele será usado pelos criminosos. O preso do semiaberto é quem coloca droga para dentro do presídio, quem entra com celular, quem leva dinheiro, quem faz tarefas fora. Todos os presídios que visitei no Brasil têm essa hipótese dos presos misturados. No Maranhão se mistura por causa das facções. Elas não aceitam que determinado preso fique em determinada unidade. Fazemos isso até pra garantir a sobrevivência dos presos sob determinado regime”, afirmou em sua apresentação o desembargador José de Ribamar Fróz Sobrinho, do TJ-MA.
O magistrado defendeu um projeto de alteração da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) que comporta a possibilidade de adiamento do cumprimento da pena até o surgimento de vagas. Segundo o projeto, na inexistência de vaga adequada, haveria a possiblidade de o juiz responsável pela execução suspender a pena, suspendendo também o prazo prescricional. “Nós só vamos permitir a entrada quando houver vaga, e seremos radicais nesse sentido”, diz.
Para proteger o preso do regime semiaberto, seria preciso, em primeiro lugar, evitar que ele entre em uma carceragem inapropriada. “A magistratura não pode mais ficar aguardando a melhora da infraestrutura. A mudança é muito tardia, não chega, não há dinheiro. Não são criadas vagas”, afirma.
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