Por sete votos a dois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou a aplicação da tese da continuidade delitiva prevista no artigo 71 do Código Penal em crimes diversos praticados por réus na Ação Penal (AP) 470, seguindo o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa. Para ele, os crimes de corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros, são delitos distintos, com dinâmicas próprias, dolos autônomos e resultados diferentes.
A tese da continuidade delitiva, que poderia reduzir as penas de 16 dos 25 réus, foi apresentada pelo ministro Marco Aurélio e seguida pelo revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski.
Veja, abaixo, como votaram os demais ministros.
Ministro Rosa Weber
Ao acompanhar o ministro-relator e não aplicar a continuidade delitiva, a ministra Rosa Weber afirmou que sua leitura do artigo 71 do Código Penal (CP), que segue a linha da jurisprudência do STF, é a de compreender delitos da mesma espécie como condutas que se inserem num mesmo tipo penal. Ela rejeitou a tese de que peculato, corrupção ativa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta de instituição financeira seriam crimes da mesma espécie.
“Na minha compreensão, tais crimes não atendem às condições objetivas exigidas pelo artigo 71 do Código Penal quanto a tempo, lugar e modo de execução”, afirmou. A ministra admitiu que réus do núcleo político podem até ter tido o mesmo desígnio, mas não os réus ligados aos núcleos operacional e financeiro.
Ministro Luiz Fux
Para o ministro Luiz Fux, as penas dos 25 réus foram fixadas levando-se em conta os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, e não cabe qualquer revisão. “Relembro que em delitos com penas de 3 a 10 anos, aumentava-se apenas um ano, um ano e pouco. Nunca se chegou nem a 50% da pena máxima aplicável. Por outro lado, a soma das penas só resta elevada em comparação ao número de delitos praticados”, assinalou. “A pena final só é expressiva para os réus que cometeram muitos delitos contra as instituições democráticas brasileiras”.
Segundo o ministro Fux, para a verificação da continuidade delitiva não basta que se atinja o mesmo bem jurídico, em sentido lato: a interpretação do instituto deve ser “restritiva”, e não “elástica”. “Nossa jurisprudência entende o crime continuado como subsequência de um delito que já começou, e não delitos completamente díspares”, afirmou.
Ministro Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli, ao rejeitar a aplicação do instituto da continuidade delitiva, destacou que, no seu caso específico, se fosse acolher a posição trazida pelo ministro Marco Aurélio, estaria sendo “incoerente e contraditório” com o voto proferido em relação à quadrilha, “exatamente porque não entendi que houve unidade de ação, e sim coautorias em tipos penais específicos”, explicou.
Segundo o ministro, a continuidade delitiva tem como elemento a ideia de unidade de desígnios. Citando o exemplo de Marcos Valério – condenado a 40 anos, 4 meses e 6 dias de reclusão –, afirmou que não há como enxergar na ação criminosa desse réu unidade de desígnios capaz de agregar crimes tão díspares, com bens jurídicos diferenciados. “Teria que se ter uma continuidade em relação a todos os delitos praticados por ele, numa unidade que, realmente, não é possível ser deduzida diante daquilo que esta Corte decidiu ao longo do julgamento”, concluiu.
Ministra Cármen Lúcia
Em seu voto, que acompanhou o do relator, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha posicionou-se no sentido de “dar sequência à jurisprudência consolidada do STF sobre a interpretação do artigo 71 do Código Penal”, conforme afirmou. Ela reiterou a observação do ministro Toffoli no sentido de que os ministros que votaram pela absolvição dos réus do crime de formação de quadrilha não seriam coerentes se aplicassem a continuidade delitiva. “Nós consideramos que houve uma série de crimes praticados em coautoria, mas não havia esse liame que é exatamente o que se exige para a aplicação do artigo 71”, assinalou.
Citando precedentes do STF, a ministra destacou que a caracterização da continuidade delitiva requer que os delitos tenham sido praticados “com a utilização de ocasiões nascidas da ação primitiva”, guardando nexo de causalidade com relação a hora, lugar e circunstâncias. “É exatamente isso que não se tem”, concluiu, lembrando que o relator, em seu voto, chegou a acentuar que, em crimes da mesma espécie, havia movimentações e circunstâncias diferentes.
Ministro Gilmar Mendes
Também acompanhando o voto do relator, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a consequência da opção pela continuidade delitiva, “além de quebrar claramente com a jurisprudência” até então assentada pelo STF, abriria precedentes “para facilitar até mesmo a prática desenvolvida pelas organizações criminosas”, quando a finalidade seria, ao contrário, coibi-las. “Crimes dos mais graves acabariam contemplados e tratados de forma extremamente benévola, com resultados desastrosos para o sistema”, afirmou.
Para o ministro, “não há como aceitar, pelo menos no atual momento”, a interpretação alargada da expressão “crimes da mesma espécie”, pois faltariam elementos como as conexões temporais e espaciais. “Aqui estamos falando de uma prática habitual que se projetou por dois ou três anos”, assinalou, “conexão temporal totalmente diversa da prevista na jurisprudência”. Além disso, as práticas ocorreram em vários locais do país.
Ministro Celso de Mello
O decano do STF, ao seguir o voto do relator, afastou a incidência da figura do crime continuado em casos em que se evidencie a reiteração de práticas criminosas, “especialmente quando cometidas em base habituais e em caráter quase profissional”.
O ministro destacou que a figura do crime continuado tem por objetivo evitar e impedir um excessivo rigor punitivo. No caso, porém, afirmou que, “mais graves que as penas, revela-se o comportamento criminoso dos condenados, cuja atuação foi marcada pela nota da multilesividade infligida a bens jurídicos tutelados pela legislação penal”. Para ele, “não há continuidade delitiva nas ações praticadas em situações distintas, embora guardem semelhança na maneira de execução e no aproveitamento de situação idêntica”. O espaço de tempo separando a reiteração dos fatos afasta o caráter contínuo, assim como o critério espacial.