Por votação unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) não conheceu (não julgou o mérito), nesta terça-feira (3), do Habeas Corpus (HC) 114077, impetrado pela ex-diretora da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) Denise Maria Ayres de Abreu contra indeferimento de pedido de liminar em outro HC, este impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Turma acompanhou voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, pela cassação da liminar por ele concedida em 29 de junho do ano passado e, por consequência, pelo prosseguimento da ação penal em curso contra a ex-diretora da Anac na 1ª Vara Federal de São Paulo. O colegiado entendeu que a ação penal mencionada é complexa e que o pedido formulado pela defesa implicava o revolvimento de provas, o que não é possível em HC.
Tanto no habeas corpus hoje julgado quanto naquele impetrado no STJ, a defesa pedia o trancamento da ação penal na qual ela é acusada da suposta prática dos crimes de falsificação de documento público (artigo 297 do Código Penal – CP) e uso de documento falso (artigo 304 do CP). A denúncia inicial do Ministério Público Federal (MPF) tem por base investigações instauradas para apurar as causas do acidente ocorrido em 17 de julho de 2007, quando um avião Airbus A-320 da TAM Linhas Aéreas saiu da pista principal do aeroporto de Congonhas e colidiu com o terminal de cargas da companhia aérea, resultando na morte de 199 pessoas. Conforme destacou, no entanto, a própria defesa, este não é o principal processo referente àquele acidente em curso contra Denise Abreu. No outro processo, ela é acusada de “atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo”.
Alegações
No processo cujo trancamento a defesa pedia no HC hoje julgado, Denise Abreu foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter supostamente feito uso de documento público falso – Instrução Suplementar (IS) RBHA 121-189 – em recurso de agravo de instrumento interposto perante a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Naquela oportunidade, ela teria atribuído à referida instrução caráter de “norma da Anac”, quando ela não passaria de “estudo interno” da agência reguladora.
A defesa alega que o juízo de primeiro grau recebeu a denúncia formulada pelo MPF, porém deu outra tipificação à conduta (fraude processual), pela qual Denise Abreu não foi denunciada. Com base no artigo 395 do Código de Processo Penal (CPP), a defesa sustentou que, quando o magistrado considerar deficientes os fatos narrados ou as condutas imputadas, não cabe a ele “emendar” a denúncia, em fase de admissibilidade, mas sim, rejeitá-la.
A defesa impetrou habeas corpus no TRF-3, pedindo o trancamento da ação penal para apurar o crime de fraude processual. Aquela corte concedeu parcialmente a ordem, porém determinou que o processo tivesse prosseguimento pelos crimes originalmente constantes da denúncia.
Na sessão desta terça-feira da Segunda Turma do STF, a defesa alegou que se tratou de uma decisão “teratológica”, em prejuízo de Denise. Isso porque implicou a submissão dela a uma ação penal por crimes cuja atipicidade já havia sido reconhecida pelo próprio Poder Judiciário. E a reforma da decisão teria ocorrido em prejuízo dela, porquanto o MPF teria silenciado sobre a decisão de primeiro grau e já teria ocorrido preclusão em relação ao crime a ela imputado pela própria acusação.
Da decisão do TRF a defesa recorreu ao STJ, que indeferiu pedido de liminar. É contra essa decisão que foi impetrado o HC no Supremo. A defesa alegou constrangimento ilegal e pediu a superação da Súmula 691 para que lhe fosse concedida a ordem de HC. Essa súmula veda o cabimento de habeas corpus no STF quando relator de habeas corpus em tribunal superior tiver negado pedido de liminar.
A Segunda Turma, no entanto, entendeu que não havia constrangimento ilegal nem a alegada teratologia apontada pela defesa. E decidiu não julgar o HC no mérito, por entender que não poderia antecipar-se ao STJ, que ainda vai julgar, no mérito, o HC lá impetrado.
Em seu voto, acompanhado pelos demais ministros, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, reportou-se a parecer da Procuradoria Geral da República pelo não conhecimento do HC e, também, a manifestação da ministra Cármen Lúcia em outro processo, segundo a qual “o ato de recebimento da denúncia não é apropriado para definição jurídica do fato”.
No mesmo sentido pronunciou-se o representante do Ministério Público Federal (MPF) presente na sessão. Segundo ele, “a qualificação jurídica dos fatos vai se formar na frente”, ao longo da instrução do processo. Ainda de acordo com o membro do MPF , “a capitulação jurídica não prende o juiz, nem garante ao réu que o apurado na denúncia não chegue a conclusão diferente. É fumaça de direito ainda não existente. Assim, não é lícito ao juiz, já no ato do recebimento da denúncia, conferir tipificação jurídica ao fato”.
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