Mantida decisão que negou revisão criminal a ex-policial condenado por crime contra menor

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, de ofício, alterou o resultado de julgamento de revisão criminal para indeferir a absolvição de um ex-policial condenado na década de 1950 por crime sexual contra criança, cometido dentro de um ônibus lotado.

O recurso especial interposto pela viúva e pelos dois filhos do ex-policial, que mais de 50 anos depois do ocorrido ainda tentam reverter a condenação, foi rebatido pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, que proferiu o voto condutor da decisão da Sexta Turma.

Para Schietti, no julgamento da revisão criminal houve “fraude, engodo, ilícito que apontou, inclusive, para possível prática de falsidade ideológica”. Ele ressaltou que o acórdão que concedeu a absolvição, em sua integralidade, foi “manipulado de forma atentatória à credibilidade do Judiciário e à ética que deve permear todos os atos oriundos desse poder da República”.

11 a 2

Mauro Henrique Queiroz, falecido em 1998, foi condenado em 1959. Em janeiro de 2008, ao julgar a revisão criminal, o Terceiro Grupo de Câmaras Criminais do TJSP negou o pedido de absolvição por 11 votos a 2. Contudo, o acórdão publicado trouxe um resultado exatamente oposto, deferindo a revisão criminal.

Em novembro de 2009, o tribunal retificou o julgamento de ofício e inverteu o resultado, indeferindo o pedido revisional. Essa modificação foi contestada no STJ pelo recurso especial da viúva e dos filhos do ex-policial.

Eles sustentaram que, com a retificação, houve violação à coisa julgada e ofensa ao princípio da segurança jurídica. Para os recorrentes, o TJSP não poderia ter modificado sua decisão sem que houvesse a interposição de recurso, ainda mais porque já tinham se passado quase dois anos desde o trânsito em julgado.

Alegaram que o Regimento Interno do TJSP prevê que a modificação de votos somente pode ser feita até a proclamação do resultado e que, na hipótese de ter ocorrido irregularidade ou erro, esses foram cometidos dentro do tribunal, sem nenhuma participação das partes e do advogado.

Gravidade

O ministro Sebastião Reis Júnior, relator, votou pelo provimento do recurso especial para anular a retificação de julgamento e restabelecer o acórdão que concedeu o pedido de revisão criminal, sustentando que deveriam prevalecer a autoridade da coisa julgada e o princípio da inércia da jurisdição.

Após ter vista dos autos, o ministro Rogerio Schietti se disse surpreso e preocupado com a gravidade dos fatos. Ele verificou que o acórdão da ação revisional, que fora indeferida pela maioria dos desembargadores, seguiu o voto do relator, vencido no julgamento, e deu como acolhido o pedido revisional.

“Como compreender o desfecho do processo, tal como publicado?”, questionou Schietti, ao comentar que o julgamento se deu com ampla publicidade e participação das partes.

Reportagem

De acordo com o ministro, a resposta está no próprio processo, em despacho proferido no dia 5 de novembro de 2009 pelo desembargador presidente do Terceiro Grupo de Câmaras Criminais do TJSP. Ele pediu vista dos autos após ler reportagem da Folha de S. Paulo, de 1º de novembro daquele ano, que revelava a existência de decisão que não era verdadeira.

O desembargador se manifestou perplexo ao perceber que a revisão tinha sido deferida, em votação informada como unânime, para absolver Mauro Henrique Queiroz. Maior surpresa teve quando viu que a tira de julgamento assinada eletronicamente consignou tal fato e mandou o acórdão para publicação, quando a decisão ali retratada não espelhava a verdade do julgamento.

“Ou seja, o resultado e o conteúdo da decisão foram forjados, manipulados em favor do réu”, afirmou Schietti, para quem “o provimento judicial deve ser construído com a garantia de participação simétrica daqueles sobre os quais recairão seus efeitos”. O ministro disse que “devem ser repudiados atos fraudulentos ou espúrios que venham a contaminar toda a essência do processo, sob pena de torná-lo ilegítimo”.

Schietti afirmou que o erro foi proposital e que, por essa razão, o recurso especial está fundamentado em mentira que jamais poderá ser considerada legítima. Isso porque, segundo ele, “nenhum efeito de proteção do sistema processual pode ser esperado da publicação de um acórdão cujos conteúdo e resultado foram forjados”.

Correção

De acordo com o ministro, a atitude do TJSP, ao retificar a decisão anterior, apenas desconsiderou o ilícito, o que poderia ter sido feito em qualquer momento.

Schietti lembrou que a desconstituição de decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do réu não é inédita. O próprio Supremo Tribunal Federal já procedeu dessa forma, por mais de uma vez, diante da comprovação, posterior ao trânsito em julgado, de que a motivação da decisão é falsa.  

No Habeas Corpus 55.901, o ministro Cunha Peixoto destacou que “uma decisão proferida em tais circunstâncias, fundada exclusivamente em fato insubsistente, é juridicamente inexistente, não produz efeitos, mesmo porque a tese contrária violaria o princípio segundo o qual é inadmissível que o autor de um delito venha a ser beneficiado em razão da própria conduta delituosa”.

Para Rogerio Schietti, não se trata de rejulgamento da revisão criminal, como os familiares do falecido queriam que fosse reconhecido, mas de simples decisão interlocutória por meio da qual o Judiciário, diante da constatação de flagrante ilegalidade, corrige o ato e proclama o resultado verdadeiro.

“A proposta do recorrente é que está a revelar verdadeira ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem verdadeiros pilares de sustentação do sistema jurídico-processual”, concluiu o ministro, que foi acompanhado pela maioria da Sexta Turma.

Leia a íntegra do voto vencedor

 

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