O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o mandado de prisão expedido pelo juiz da 11ª Vara da Justiça Federal no Ceará contra Vicente Ares Gonzalez, acusado de envolvimento com a quadrilha que assaltou o Banco Central em Fortaleza, em agosto de 2005, de lá roubando R$ 164 milhões. Em conseqüência, determinou a expedição imediata de alvará de soltura em favor de Gonzalez, se não estiver preso por outro motivo.
A decisão foi tomada em liminar no Habeas Corpus (HC) 94194, impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de negar pedido semelhante, também em HC. Acusado dos crimes de extorsão mediante seqüestro, lavagem de dinheiro e conexos ao furto qualificado à caixa-forte da sede do Banco Central em Fortaleza, Gonzalez alegou, tanto no STJ quanto no STF, falta de fundamentação do decreto de sua prisão preventiva, insubsistência das razões que motivaram a decretação da prisão por conveniência da instrução criminal e, por fim, excesso de prazo na formação da culpa.
O juiz de primeira instância justificou a prisão preventiva de Gonzalez com o argumento de que ele é acusado de crime hediondo – extorsão mediante seqüestro –, insuscetível de liberdade provisória, e réu já pronunciado pelo crime de homicídio pelo juiz da Vara do Júri e Execuções Criminais de São Bernardo do Campo (SP), em outro processo criminal, além do que responde a processo por porte ilegal de arma de fogo e lesão corporal de natureza grave na Vara Criminal e de Execuções da Comarca de Varginha (MG).
O ministro Celso de Mello, no entanto, ressaltou o caráter excepcional da prisão preventiva, observando que ela não pode ter caráter punitivo, pois é seu objeto tão-somente beneficiar o desenvolvimento do processo penal. Por isso, só se justifica quando fundamentada em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal.
Ele lembrou, neste contexto, que o STF tem reiterado, em diversos julgamentos, a inconstitucionalidade da prisão cautelar com fins punitivos, diante do entendimento de que ela “não pode ser utilizada com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado”.
Por isso, segundo o ministro Celso de Mello, ”os fundamentos subjacentes aos atos decisórios emanados do ilustre magistrado da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará que decretou e, posteriormente, manteve a prisão cautelar, conflitam com os estritos critérios que a jurisprudência do STF consagrou nessa matéria”.
Segundo ele, “a decretação da questionada prisão preventiva apoiou-se em meras suposições destituídas de base empírica idônea, sequer indicando as razões de concreta necessidade que, se presentes, poderiam justificar a constrição do status libertatis (estado de liberdade )”.
Desse modo, segundo ele, “a gravidade, em abstrato, dos crimes de lavagem de dinheiro e concussão, no caso em exame, não basta para justificar a privação cautelar da liberdade individual do paciente, ainda que seu crime seja classificado como hediondo”.
Quanto à suposta possibilidade de obstaculização da justiça pelo acusado, o ministro afirmou: “A mera afirmação, desacompanhada de indicação de fatos concretos de que o ora paciente, em liberdade, poderia embaraçar a instrução do processo revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essa alegação – como parece ocorrer na espécie dos autos – deixa de ser corroborada por base empírica idônea (que, necessariamente, dever ser referida na decisão)”, afirmou ainda o relator.
Ainda, segundo ele, o fato de que Gonzalez é objeto de processo e investigação criminal ainda em curso em outras comarcas “tampouco basta, por si só – ante a inexistência de condenação penal transitada em julgado – para justificar o reconhecimento de que o réu não possui bons antecedentes ou, então, para legitimar a imposição de sanções mais gravosas, como a decretação de prisão cautelar, ou a denegação de benefícios de ordem legal”. Em sustentação de sua afirmação, ele citou a presunção constitucional da não-culpabilidade, prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF).
“A análise dos fundamentos invocados pelos ora impetrantes leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar”, concluiu Celso de Mello.
FK/LF
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