O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o trâmite de inquérito, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual o governador do Paraná, Carlos Alberto Richa, é investigado pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. Ao analisar o Habeas Corpus (HC) 151605, o ministro concedeu a medida liminar solicitada pela defesa, por entender que o acordo de colaboração premiada deveria ter sido realizado por autoridade competente, considerando a prerrogativa de função – no caso, pela Procuradoria-Geral da República, com homologação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A defesa alega que as acusações se basearam em falsas declarações prestadas por Luiz Antônio de Sousa, em acordo de colaboração premiada celebrado com o Ministério Público do Paraná e homologado pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Londrina. Sustenta que a colaboração não foi realizada pela Procuradoria-Geral da República e submetida à homologação do Superior Tribunal de Justiça, conforme estabelece o artigo 105, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal.
De acordo com os autos, em setembro deste ano, o STJ analisou a validade do acordo e reconheceu a subtração da própria competência apenas após a homologação do acordo de colaboração. Conforme a decisão, até os depoimentos do colaborador Luiz Antônio de Souza, não havia elementos contra autoridades com prerrogativa de foro. Como os elementos que atraíram a competência da Corte teriam surgido com o acordo, teria sido correto homologá-lo e, em seguida, remeter os autos ao Tribunal.
Decisão
Para o relator da matéria no Supremo, ministro Gilmar Mendes, a interpretação do STJ “está em descompasso com o entendimento desta Corte”. Segundo ele, o STF assentou que a delação de autoridade com prerrogativa de foro atrai a competência do Tribunal competente para a respectiva homologação e, em consequência, do órgão do Ministério Público que atua perante aquele Tribunal.
O relator lembrou que, após a instauração do Inquérito 1093, no STJ, a defesa do governador questionou a utilização das declarações do colaborador. Porém, o Superior Tribunal de Justiça, em agravo regimental, decidiu que Beto Richa não tinha legitimidade para contestar o acordo de colaboração.
O ministro Gilmar Mendes ressaltou que o Supremo entende que o delatado não tem legitimidade para questionar o acordo, por “se tratar de negócio jurídico personalíssimo” e acrescentou que o contraditório em relação aos delatados seria estabelecido nas ações penais instruídas com as provas produzidas pelo colaborador (HC 127483). No entanto, o ministro salientou que o questionamento quanto à competência para homologação do acordo diz respeito às disposições constitucionais quanto à prerrogativa de foro. “Assim, ainda que, ordinariamente, seja negada ao delatado a possibilidade de impugnar o acordo, esse entendimento não se aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro”, avaliou.
Conforme o relator, no caso concreto foram firmados dois acordos de colaboração premiada com Luiz Antônio de Souza. O primeiro acordo foi rescindido sob a alegação de que o colaborador mentiu e reiterou práticas criminosas, mesmo após a celebração da colaboração. Para o ministro, “uma vez rescindido o acordo de colaboração premiada, o colaborador teria passado não apenas a negar seus depoimentos, mas a imputar aos promotores práticas indevidas”.
No segundo acordo, firmado em seguida, o colaborador assumiu o compromisso de retratar-se do interrogatório judicial, negando as práticas indevidas que imputou aos promotores. “Também foram acordados benefícios não embasados em lei”, afirmou o ministro. De acordo com ele, foram convencionados benefícios à família do colaborador, o perdão judicial em seis das sete ações penais em andamento e o cumprimento de apenas parte da pena privativa de liberdade na outra, substituindo o regime semiaberto por regime semiaberto diferenciado, consistente em recolhimento domiciliar noturno, por dois anos, seguido da execução do restante da pena em regime aberto domiciliar.
Para o ministro Gilmar Mendes, o Ministério Público local não apenas invadiu, por duas vezes, a competência da PGR e do STJ, “mas também o fez oferecendo ao acusado benefícios sem embasamento legal, gerando uma delação pouco confiável e não corroborada por outros elementos, a qual foi reputada suficiente para a abertura das investigações contra o governador do Estado”. Dessa forma, o relator considerou relevante o fundamento da defesa e entendeu que a manutenção do trâmite de investigação “sem um mínimo de justa causa contra o governador do Estado compromete não apenas a honra do agente público, mas também coloca em risco o sistema político”.
Processos relacionados HC 151605 |