O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em Habeas Corpus (HC 106124) impetrado pela Defensoria Pública da União em favor do prefeito cassado de Itaperuçu (PR) José de Castro França e suspendeu, até o julgamento final do HC, o curso do inquérito policial em tramitação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O inquérito foi aberto para apurar suposto crime de desobediência (previsto no Decreto-lei 201/67) atribuído ao prefeito por não ter incluído, no orçamento do município, verba necessária ao pagamento de um precatório.
Ocorre que a ordem de processamento de precatórios tem caráter administrativo e seu descumprimento não caracteriza o cometimento do delito definido no inciso XIV do artigo 1º do Decreto-lei nº 201/67 (“deixar de cumprir ordem judicial”). Embora a questão seja objeto de pacífica jurisprudência nos tribunais, o inquérito policial contra o prefeito prosseguiu, sem que houvesse pedido do Ministério Público para seu arquivamento. No TRF-4, por decisão monocrática do desembargador relator, o inquérito foi arquivado diante da atipicidade da conduta, o que levou o Ministério Público Federal a recorrer ao STJ.
Em sua decisão, o ministro Celso de Mello considera irrepreensível o entendimento do STJ de que somente o Ministério Público, que detém o monopólio da titularidade da ação penal pública e a exerce em nome do Estado, tem legitimidade para pedir o arquivamento do inquérito. Por isso, cabe ao juiz ou ao Tribunal determinar tal arquivamento somente quando assim o requerer o Ministério Público. Esse entendimento não impede, porém, que o magistrado, ao verificar a ausência de tipicidade penal dos fatos investigados, reconheça a configuração de constrangimento ilegal e exerça seu dever-poder, concedendo, de ofício, habeas corpus ao investigado.
“É certo que o inquérito policial não pode ter o seu arquivamento ordenado, ex officio, pelo Poder Judiciário, cuja decisão, nesse tema, depende de pedido expressamente formulado pelo Ministério Público, nos casos de delitos suscetíveis de persecução mediante ação penal de iniciativa pública. Não obstante tal entendimento, pode o magistrado, se eventualmente vislumbrar, em determinado procedimento persecutório, a ausência de tipicidade penal dos fatos investigados, reconhecer a configuração de injusto constrangimento, e, em consequência, exercendo o dever-poder que lhe confere o ordenamento positivo (CPP, art. 654, § 2º), conceder, ex officio, ordem de habeas corpus em favor daquele que sofre ilegal coação por parte do Estado. Tal, porém, não sucedeu na espécie, eis que o Tribunal apontado como coator [STJ] deixou de exercer a prerrogativa fundada no art. 654, § 2º, do CPP, muito embora o fato sob apuração aparentasse desprovido da necessária adequação típica”, salientou Celso de Mello.
No HC dirigido ao Supremo, a Defensoria Pública da União sustentou que a decisão do STJ, cuja eficácia foi suspensa pela liminar concedida pelo ministro Celso de Mello, resultou na reabertura de procedimento investigativo em torno de fato destituído de tipicidade penal, o que caracterizaria injusto constrangimento ao investigado. A Defensoria alegou ausência de justa causa para o prosseguimento da investigação, tendo em visto que se apura “fato reconhecidamente atípico, gerando injusto constrangimento ao paciente”.
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