O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir, na sessão desta quinta-feira (29), se é possível impor à transação penal, prevista na Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), os efeitos próprios de sentença penal condenatória. A discussão se dá no Recurso Extraordinário (RE) 795567, com repercussão geral, em que se questiona acórdão da Turma Recursal Única do Estado do Paraná que, ao julgar apelação criminal, manteve a perda de bem apreendido (uma motocicleta) que teria sido utilizado para o cometimento da contravenção penal objeto da transação.
Em voto pelo provimento do RE, o relator, ministro Teori Zavascki, argumentou que a imposição de perda de bens sem que haja condenação penal ou a possibilidade de contraditório pelos acusados representa ofensa ao devido processo legal. Destacou, ainda, que as medidas acessórias previstas no artigo 91 do Código Penal (CP), entre as quais a perda de bens em favor da União, exigem a formação de juízo prévio a respeito da culpa do acusado, sob pena de ofensa ao devido processo legal.
“A imposição da medida confiscatória sem processo revela-se antagônica não apenas à acepção formal da garantia do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, como também de seu significado material destinado a vedar as iniciativas estatais que incorram, seja pelo excesso, seja pela insuficiência, em resultado arbitrário”.
O ministro lembrou que a Lei 9.099/1995, ao introduzir no sistema penal brasileiro o instituto da transação, permite que a persecução penal em crimes de menor potencial ofensivo possa se dar mediante pena restritiva de direitos ou multa, desde que o suspeito da prática de delito concorde, sem qualquer resistência, com proposta efetuada pelo Ministério Público.
No entendimento do ministro, de um lado, a lei relativizou o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade e, por outro, autorizou o investigado a dispor das garantias processuais penais previstas no ordenamento jurídico.
O relator sustentou que as consequências geradas pela transação penal da Lei 9.099/1995 deverão ser unicamente as estipuladas no instrumento do acordo e que os demais efeitos penais e civis decorrentes da condenação penal não serão constituídos. Ressaltou que o único efeito acessório será o registro do acordo apenas com o fim de impedir que a pessoa possa obter o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
“A sanção imposta com o acolhimento da transação não decorre de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, já que é estabelecida antes mesmo do oferecimento de denúncia, da produção de qualquer prova ou da prolação de veredito. Trata-se de ato judicial homologatório expedido de modo sumário, em obséquio ao interesse público na célere resolução de conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto penal”, afirmou.
De acordo com o ministro, como a homologação prescinde da instauração de processo, não é permitido ao juiz, nem em caso de descumprimento dos termos de acordo, substituir a pena restritiva de direitos, consensualmente fixada, por pena privativa de liberdade aplicada compulsoriamente. Observou também que as consequências jurídicas extra-penais previstas no artigo 91 do CP só podem ocorrer como efeito acessório de condenação penal.
Ao opinar pelo provimento do RE, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, argumentou que a transação penal deve ser entendida como um acordo no âmbito do processo penal, ainda que limitado. Destacou que o objetivo é diminuir a carga do processamento da justiça penal para que se possa ter agilidade nas ações penais e desafogar a justiça criminal. O procurador frisou que, para o Ministério Público, a sentença tem natureza homologatória e não a de sentença penal condenatória.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator pelo provimento do recurso.
Caso
De acordo com os autos, o beneficiário da transação penal era recolhedor de apostas do jogo do bicho, contravenção prevista no artigo 58 da Lei 3.688/1941. Em abril de 2008, quando foi lavrado termo circunstanciado para apurar a prática do delito, também foi apreendida uma motocicleta de propriedade do acusado. Na homologação da proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público, inteiramente cumprida, foi declarada extinta a punibilidade, mas o juiz do 2º Juizado Especial de Londrina (PR) acessoriamente decretou o perdimento do bem apreendido, sob o argumento de que ele teria sido utilizado para o cometimento da referida contravenção penal. Contra a sentença a defesa interpôs apelação criminal, que foi desprovida pela Turma Recursal Única do Paraná.
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