O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, indeferiu o Habeas Corpus (HC) 85779, requerido pela defesa de César Marcelo Ribeiro da Silva; Ekner Rubens Maia; Luiz Cláudio Vasconcelos, condenados a quatro anos e oito meses de reclusão, pelo crime de concussão (extorsão ou exigência abusiva de funcionário público ou autoridade pública), conforme previsto no artigo 316, na forma do artigo 69, ambos do Código Penal. Os réus, policiais militares, armados teriam invadido estabelecimentos comerciais e exigido vantagens pessoais.
O caso
A defesa impetrou o habeas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o argumento de que “se trata de crimes afiançáveis, razão pela qual cumpriria ao juiz, antes de receber a denúncia, mandar notificar o acusado para providenciar resposta, por escrito, em 15 dias, sob pena de nulidade insanável“. O habeas foi negado pela 6ª Turma do STJ, por unanimidade, que entendeu que “em havendo instauração de inquérito policial, arreda-se a incidência da norma inserta no artigo 514 da Lei Adjetiva Penal“.
Contra o acórdão do STJ foi impetrado o presente habeas corpus, em que se pede a declaração de nulidade do processo ab initio [desde o início] para que seja oportunizado aos réus a garantia do artigo 514 do Código do Processo Penal. O julgamento foi afetado ao Plenário por se tratar de caso com jurisprudência assentada no STF, que poderia ser revista.
Voto do relator
O voto do relator, ministro Gilmar Mendes lembrou que a jurisprudência da Corte no sentido de que “eventual nulidade de processo decorrente da não observância do artigo 514 do CPP teria caráter relativo“. Dessa forma o ministro destacou que “a necessidade do justo equilíbrio na relação processual penal tem servido de base para revisitar a jurisprudência do Tribunal em uma série de questões penais ou que envolvam constrangimento da liberdade de ir e vir do cidadão“.
O ministro disse que, este caso demanda análise da orientação jurisprudencial a partir da recente conformação que o direito de defesa tem recebido do Plenário do STF, uma dessas orientações é no sentido de que “possíveis nulidades decorrentes da não aplicação do artigo 514 teria caráter absoluto“, pois ferem o princípio fundamental da ampla defesa. Gilmar Mendes citou também doutrina sobre a não observância do artigo 514 em relação aos crimes de responsabilidade de funcionário, no sentido de que “a falta de notificação resulta em nulidade absoluta, pois impede a realização de fase essencial para a defesa do acusado, mesmo que anterior ao recebimento da acusação“.
O relator disse que no caso sob análise, “fato decisivo é que a defesa, desde a apresentação das alegações finais, ter buscado demonstrar a existência de nulidade no processo, decorrente do desatendimento às normas do artigo 514“. Ao alegar que os delitos impostos aos réus estão entre os crimes afiançáveis, razão pela qual, cumpriria ao juiz, antes de receber a denúncia, mandar notificar o acusado para que responda em 15 dias, sob pena de nulidade insanável.
Ao concluir seu voto, Gilmar Mendes ponderou que “a nulidade ora reconhecida decorre de ato do juízo originário que, ao receber a denúncia, não garantiu de imediato a oportunidade de prévia manifestação do paciente, é forçoso reconhecer a nulidade do ato judicial desde o recebimento da denúncia“. Assim, o relator deferiu o habeas corpus para que o processo fosse declarado nulo desde o recebimento da denúncia. O ministro Marco Aurélio acompanhou o relator.
Voto divergente
A ministra Cármen Lúcia divergiu do relator ao considerar que “todos os argumentos apresentados são no sentido de que aqui não há mais possibilidade de discussão, até porque o direito à ampla defesa foi exercido, a jurisdição foi prestada desde a primeira instância e não há de se falar em qualquer agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana“.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence acompanharam a divergência no sentido de indeferir o habeas aos policiais condenados.
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