O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Justiça Federal é competente para processar e julgar crime de redução à condição análoga à escravidão supostamente ocorrido no Pará. Por maioria dos votos dos ministros, a decisão foi tomada na tarde desta quinta-feira (30/11) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 398041.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O TRF-1 declarou a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar crime de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149, Código Penal), ao analisar denúncia envolvendo fazendeiro paraense.
O julgamento foi interrompido em março do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. Naquela ocasião, o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, havia votado pelo provimento ao RE, anulando o acórdão do TRF-1. Para Barbosa, no contexto das relações de trabalho, a prática do crime previsto no artigo 149 do CP caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho, determinando a competência da Justiça Federal para processar e julgar o delito, de acordo com o artigo 109 da Constituição Federal.
Na ocasião, os ministros Eros Grau, Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence acompanharam o voto do relator. Foram divergentes os ministros Cezar Peluso e Carlos Velloso. O ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.
Voto-vista
No voto-vista apresentado hoje, o ministro Gilmar Mendes votou pelo provimento do recurso. Ele afirmou, citando jurisprudência da Corte, que serão da competência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendem o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores - previsto no artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal.
O ministro Gilmar Mendes também ressaltou que, conforme a alteração do artigo 109, parágrafo 5º, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04, o procurador-geral da República pode suscitar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o deslocamento das investigações para a Justiça Federal “nos casos em que esteja configurada a grave violação de direitos humanos, e, em que, por razões variadas, a Justiça Comum não esteja atuando de forma eficiente“.
“Poderá também o procurador-geral da República, tendo em vista as circunstâncias do caso, sempre em hipóteses excepcionais, formular, ao Supremo Tribunal Federal, pedido de intervenção federal no Estado para assegurar a observância de direitos da pessoa humana“, completou.
O ministro Gilmar Mendes entendeu que, no caso concreto, ficou patente a violação ao bem jurídico “organização do trabalho“, justificando a competência federal para analisar a matéria.
Em seguida, o ministro Marco Aurélio seguiu a divergência aberta anteriormente para votar pelo não provimento do RE. Para ele, as “tintas fortes“ do caso concreto não são suficientes por si para se concluir pela competência da Justiça Federal.
Na linha do voto-vista proferido pelo ministro Gilmar Mendes, o ministro Celso de Mello votou pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal. Mas ele ressalvou que a mudança dos casos da jurisdição estadual para a federal se justifica apenas nos casos de “violação dos direitos humanos“. O ministro Eros Grau reformou hoje o seu voto, para dar provimento ao recurso na linha do ministro Gilmar Mendes.
Os ministros entenderam que esse caso não firma um entendimento da Corte - o chamado leading case.
Histórico
Em 1992, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o fazendeiro S.C.A. e seu preposto, R.S.F., pela suposta prática dos crimes definidos nos artigos 149 (redução à condição análoga à escravidão) e 203 (frustração de direito assegurado por lei trabalhista) do Código Penal.
A denúncia foi recebida pelo juiz federal de Marabá, no Pará. Antes da sentença, o juiz federal determinou a separação do processo, prosseguindo a tramitação contra S.C.A. A sentença, proferida em 1998, absolveu o réu quanto ao crime do artigo 203 do CP, pois entendeu que os atos constituem elementos necessários para a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo.
Com base no artigo 149 do CP, o juiz condenou o réu à pena de quatro anos de reclusão, inicialmente, em regime aberto. Na apelação, o TRF-1, antes de examinar o mérito, declarou a incompetência absoluta da Justiça Federal, anulando todo o processo a partir da denúncia.
Inconformado, o MPF interpôs o RE 398041 no Supremo, alegando violação ao artigo 109 da Constituição Federal. Para o Ministério Público Federal, há no caso crime contra a organização do trabalho e contra a coletividade dos trabalhadores, justificando-se a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime em análise.
Hoje, a Corte proveu o recurso interposto pelo Ministério Público para declarar, nesse caso, a competência da Justiça Federal.
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