O Poder Judiciário é o “protetor” da democracia, não deve exercer papel “suplementar” ao Executivo nem interferir no processo de renovação político-partidária. As teses são do professor italiano Luca Mezzetti, diretor da Escola Superior de Estudos Jurídicos da Universidade de Bolonha e especialista da operação Mãos Limpas.
Desencadeada na Itália na década de 90, a operação serviu de inspiração para o combate à corrupção em várias partes do mundo. “O Poder Judiciário é o protetor da democracia. Ela tem seus cânceres, que devem ser curados pelos médicos. Esse médico é o Poder Judiciário”, afirmou o professor, em entrevista exclusiva ao site do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mezzetti, que estará em Brasília no dia 27 de abril para participar do Encontro Ítalo-Brasileiro: Operação Mãos Limpas e Combate à Corrupção, promovido pelo STJ em conjunto com o Conselho da Justiça Federal (CJF), defendeu que a renovação político-partidária, fenômeno registrado na Itália após a condenação de políticos por corrupção, deve ser feita “através da política e não de uma interferência do Judiciário”.
Propina
O especialista destacou que a operação Mãos Limpas começou em 1992, durou quatro anos, prendeu 2.993 pessoas e investigou mais de 6 mil suspeitos de participar de uma extensa rede de corrupção envolvendo políticos e empresas em desvios de recursos de obras públicas.
“O resultado foi que descobriram uma rede de corrupção muito grande, articulada e profunda em obras públicas. Era um sistema estabelecido há muitos anos, no qual as empresas não poderiam trabalhar sem pagar propinas”, disse.
O professor salientou que a condenação de líderes italianos pelo Poder Judiciário contribuiu para uma renovação política, com o desaparecimento de partidos tradicionais e o surgimento de novas lideranças. “Foi um tsunami na política provocado pelos magistrados”, afirmou.
“Esse panorama não foi muito favorável, porque o sistema que veio depois não foi melhor que o anterior. Como se diz na Itália, a operação Mãos Limpas teve basicamente como resultado aumentar o custo da propina. É mais alto atualmente, porque os administradores públicos têm medo das sanções”, sublinhou.
Delação premiada
Mezzetti ressaltou que o instituto da delação premiada contribuiu com as investigações, mas é preciso “muita cautela, porque frequentemente os autores de delitos denunciam apenas para destruir o nome e as reputações de inocentes”.
Segundo ele, apenas 33% dos acusados em delações premiadas, durante a operação Mãos Limpas, cometeram delitos, confirmados posteriormente nas investigações.
“É importante que os responsáveis paguem suas dívidas, mas que o Poder Judiciário não desenvolva papel suplementar ao Executivo. Deve respeitar o máximo possível a separação dos poderes”, disse.
O Encontro Ítalo-Brasileiro: Operação Mãos Limpas e Combate à Corrupção terá também a participação do professor italiano Giovani Luchetti, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha.
Integrarão a mesa de abertura do evento o corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Og Fernandes; o diretor-geral da Enfam, ministro Humberto Martins; o coordenador científico do evento, juiz federal Bruno Leonardo Câmara Carrá; o presidente da Ajufe, juiz federal Antonio César Bochenek, e o presidente do Instituto Innovare e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto.
Participarão também do evento, além do ministro do STJ Villas Bôas Cueva, o desembargador Eládio Lacey, o juiz federal João Batista Lazzari e o jornalista Diego Escosteguy, editor-chefe da revista Época, na condição de debatedores. Durante o evento, haverá a assinatura de acordo de cooperação entre o CEJ, a Enfam e a Universidade de Bolonha.