Criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a finalidade de mudar a situação prisional do país, o programa “Começar de Novo“ oferece a presos oportunidades no mercado de trabalho. Além dos mutirões carcerários – em que é avaliada individualmente a situação do cumprimento da pena de todos os presos em um determinado presídio –, as ações do “Começar de Novo“ abrangem convênios com entidades como Sesi, Senai e Fiesp, visando o treinamento e a capacitação de presidiários.
Um dos pontos altos do programa é a contratação, por órgãos do Judiciário, de presos que já cumprem pena em regime domiciliar, condicional ou semiaberto. O objetivo é favorecer a recuperação social dos presos, a começar pela reinserção no mercado de trabalho.
STF dá o exemplo
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi pioneiro na iniciativa no âmbito do Judiciário. Em fevereiro deste ano, a Corte abriu 40 vagas para contratação de sentenciados, mediante convênio com o governo do Distrito Federal.
De acordo com o diretor-geral do Supremo, Alcides Diniz, a iniciativa, inédita no âmbito do Judiciário, conta apenas com o auxílio do Ministério da Justiça na seleção dos candidatos. O Tribunal paga salário de R$ 550,00 para os egressos que têm até o primeiro grau, e de RS 650,00 para os de nível médio ou superior, além de vale-transporte e auxílio-alimentação.
A cada três dias de trabalho, reduz-se um dia do total da pena a ser cumprida. Além disso, há benefícios como a utilização do serviço médico e odontológico do Supremo voltado aos servidores, bem como o acesso irrestrito aos serviços e dependências do Tribunal, como restaurante, biblioteca e museu.
Beneficiários do programa
O empresário Carlos*, 41 anos, foi condenado a 18 anos por assédio sexual, estupro e atentado violento ao pudor. De repente, passou de uma vida equilibrada e confortável para anos de cadeia, nos quais só pensava se teria outra oportunidade, pois enfrentar o estigma de ser ex-presidiário o assustava.
Casado, pai de três filhos, formado em Filosofia e cursando História à época da prisão, Manoel*, um policial civil com mais de 20 anos de serviço, também teve essa preocupação. Ele foi preso por tráfico de drogas e, apesar de sua formação intelectual, foi surpreendido com os rigores da vida no cárcere. Isso sem contar a culpa por haver decepcionado a família, todos, até então, “sempre na linha”.
Recuperação
Manoel afirma, emocionado, que mesmo em tão pouco tempo já fez amigos que o apoiam e o incentivam. A surpresa diante da receptividade foi maior porque imaginou que seria recebido friamente, em virtude do preconceito. Mas, como afirma, “até agora não percebeu qualquer discriminação”, referindo-se à experiência como “uma lição de vida”. “Pode-se recomeçar de maneira lícita na vida”, concluiu. Manoel, que é poeta e compositor, não esconde o orgulho por estar trabalhando no Supremo, sentimento compartilhado pela família.
O entusiasmo também pode ser percebido em Carlos, que faz vários elogios ao ambiente de trabalho. Com a auto-estima reforçada, planeja prestar vestibular e fazer concurso para se tornar um servidor do STF, contando com a torcida dos colegas. “Esta é a melhor chance da minha vida. Aqui aprendo e ensino, passo a minha experiência de vida. Estava no pior lugar que um ser humano vivo pode estar e agora estou na instância suprema, no cume”, comemora Carlos, que diz ainda se empenhar ao máximo, “porque somos os precursores. Sei o quanto é difícil para quem fica atrás das grades”.
Experiência positiva
Para o gestor do programa, Daniel Teles da Silva, do Núcleo de Projetos de Responsabilidade Social do Supremo, o saldo da experiência tem sido altamente positivo para ambas as partes. “Quando comparamos com os estagiários, que recebem a mesma quantia por uma jornada de quatro horas e às vezes nem contam com a formação de alguns sentenciados, a contratação destes é mais vantajosa”, disse, ao ressaltar que os egressos são disciplinados e dedicados.
Esse talvez seja um motivo extra para incentivar outros tribunais a se integrarem no projeto. O Tribunal Superior do Trabalho já anunciou a contratação de 200 detentos; o Superior Tribunal de Justiça, de 60, e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal se prepara para aderir ao programa.
De acordo com Daniel, o processo de seleção é demorado porque a segurança deve ser máxima, já que os contratados são alocados conforme a necessidade dos setores. Segundo ele, há quem trabalhe na Presidência, na Secretaria-Geral e na Biblioteca do STF. Além disso, alguns ministros já manifestaram interesse em recrutar candidatos para seus gabinetes.
Números
No Brasil, existem 446 mil presos, dos quais 57%, ou seja, 254 mil já foram condenados e 43% (19 mil) ainda aguardam julgamento. O país apresenta 229 detentos por mil habitantes. Já na Argentina, são 154, na Alemanha, 92 e, na Dinamarca, 66.
A carência é de 156 mil vagas no sistema penitenciário do país. Porém, desde setembro de 2008, os mutirões carcerários realizados no Rio de Janeiro, Maranhão, Piauí e Pará resultaram na liberdade de mais de 2.200 presos – que já contavam com o prazo para concessão de liberdade ou progressão do regime de cumprimento da pena –, o equivalente a quatro presídios de porte médio.
*Nomes fictícios
OS,EC//AM
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