O policial foi demitido por ter cometido ato de improbidade administrativa, por se valer do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dignidade da função pública e por não ter cumprido deveres inerentes ao serviço público (condutas previstas na Lei 8.112/90).
O fato se deu em março de 2008. O policial e um colega abordaram o carro, que trafegava em rodovia federal perto da cidade de Pantano Grande. O motorista, autuado por trazer mercadorias da cidade uruguaia de Riveira acima da cota fiscal permitida, somente foi liberado pela dupla depois de pagar propina.
Ele teve de trocar um cheque num posto de combustíveis para pagar os policiais. Mas eles consideraram o valor pequeno e exigiram que o motorista sacasse mais em um caixa eletrônico na cidade. A viatura acompanhou o motorista no trajeto e os documentos foram devolvidos depois de serem pagos R$ 570.
O fato chegou ao conhecimento da Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, pois o motorista conhecia um policial rodoviário lotado em outra cidade e comentou sobre o episódio. Depois de colhido o depoimento do motorista, no qual houve o reconhecimento dos envolvidos por meio de fotografias, foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em março de 2008.
Em 20 de maio de 2009, o policial foi preso preventivamente em decorrência da operação Mão Dupla, da Polícia Federal. Após a conclusão do PAD, a comissão processante opinou pela demissão do policial. Em 20 de outubro de 2010, foi publicada a portaria de demissão assinada pelo ministro da Justiça.
Nulidades
No STJ, o ex-policial contestou diversos pontos do PAD, como excesso de prazo para o término, violação dos princípios do juiz natural, do contraditório e da proporcionalidade (em relação à pena), ausência de intimação pessoal para o interrogatório com antecedência mínima de três dias úteis e, por fim, impossibilidade de realização de reconhecimento fotográfico. Disse ainda que foram juntados aos autos documentos sem sua ciência.
Em seu voto, o relator, ministro Benedito Gonçalves, rebateu as alegações de nulidade e confirmou a demissão. O magistrado destacou que, se constatar nulidade insanável na fase de instrução do PAD, a administração poderá instaurar novo processo com o mesmo objeto e constituir nova comissão, validando os atos anteriormente praticados (artigo 169 da Lei 8.112).
A lei estabelece que o prazo para conclusão do PAD é de 60 dias, prorrogado uma vez, devendo ocorrer o julgamento final em até 20 dias depois. No caso, houve excesso de prazo na fase de instrução do PAD em 2008. Após, houve a determinação de instauração de novo processo disciplinar e constituição de nova comissão em 2009.
O ministro verificou que a administração foi “extremamente zelosa”, pois constituiu nova comissão processante ao verificar o descumprimento dos prazos legais para sua conclusão, o que não resultou em qualquer nulidade, especialmente porque o julgamento fora do prazo legal não implica nulidade processual.
Juiz natural
No ponto em que alegava haver violação ao princípio do juiz natural, o ex-policial dizia que o PAD deveria ter sido conduzido por comissão permanente de disciplina, tal qual disposto na Lei 4.878/65 (regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal).
O ministro Benedito Gonçalves, no entanto, afastou a aplicação dessa norma, porque diz respeito aos policiais civis investidos em cargos do serviço de Polícia Federal, “não alcançando os policiais rodoviários federais, categoria regida pela Lei 8.112”.
Quanto à ausência de intimação pessoal com antecedência mínima de três dias para comparecimento ao ato de interrogatório, o ministro concluiu que o vício fica superado em decorrência do comparecimento do indiciado. Além disso, houve a intimação dos seus advogados; a nova patrona, constituída por ocasião da audiência, não alegou a nulidade; e foi garantida a defesa técnica nos autos, não havendo comprovação de prejuízos.
Reconhecimento fotográfico
O relator esclareceu que, desde que corroborado por outras provas e ausente qualquer prejuízo para a defesa, admite-se o reconhecimento pessoal por meio de fotografias para comprovação de autoria de infração.
Por fim, Benedito Gonçalves repeliu a alegação de desproporcionalidade da pena de demissão “diante do farto conjunto probatório”, especialmente porque não foi trazido fato novo que pudesse determinar a inocência do ex-policial ou a inadequação da sanção.
Acompanharam o voto do relator os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Sérgio Kukina. Votaram em sentido contrário os ministros Ari Pargendler e Napoleão Nunes Maia Filho.