O Acordo de Cooperação Mútua Internacional (MLAT), pactuado entre Brasil e Estados Unidos, pode ser aplicado na investigação de evasão de divisas, independentemente dos valores envolvidos, e dispensa a expedição de carta rogatória entre os países. O entendimento foi adotado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o caso em que um juiz federal de primeiro grau decretou a quebra de sigilo bancário de conta mantida no exterior por um brasileiro sob investigação.
O suspeito vem sendo investigado por evasão de divisas em inquérito instaurado pela Polícia Federal do Rio de Janeiro, com base em informações obtidas nas operações Macuco, Caso Banestado e Farol da Colina. Durante as investigações, o Ministério Público Federal requereu medida cautelar para afastar o sigilo bancário e obter informações e documentos de uma conta em Nova Iorque.
A solicitação foi atendida pelo juiz da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que deferiu o afastamento do sigilo bancário e o pedido de cooperação jurídica internacional. A defesa requereu habeas corpus contra a decisão, primeiro no Tribunal Regional Federal da 2ª Região – que o negou – e depois no STJ.
A defesa alegou que o artigo 1º do MLAT não se aplicaria ao caso, pois prevê o combate a “graves atividades criminais, incluindo lavagem de dinheiro e tráfico ilícito de armas”. A suposta evasão de divisas envolveria apenas pequena soma e não poderia ser classificada como grave. Haveria também ofensa ao princípio da igualdade entre as partes, já que os Estados Unidos, segundo a defesa, só admitem a aplicação do acordo para fornecer documentos de interesse da acusação.
Ainda de acordo com a defesa, o MLAT ofenderia os artigos 368 e 783 do Código de Processo Penal (CPC), que consideram a carta rogatória o instrumento adequado para solicitar informações e documentos do exterior. Por fim, alegou que o juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro seria incompetente para determinar a quebra do sigilo bancário de conta no exterior. Com base nisso, pediu que os documentos e informações solicitados pelo juízo fossem desconsiderados.
O relator do habeas corpus, ministro Jorge Mussi, afirmou que o artigo 1º do MLAT se aplica ao caso, pois a referência a certos crimes considerados especialmente graves não exclui outros, como a evasão de divisas, do âmbito da cooperação bilateral. Observou também que o artigo 3º do mesmo acordo lista as restrições à assistência entre os dois países, sem fazer menção ao crime de evasão de divisas.
Também não existe, de acordo com o ministro, a alegada ofensa ao princípio da igualdade. Ele apontou que, apesar de os Estados Unidos não acatarem pedidos da defesa diretamente, nada impede que o acusado solicite providências junto aos órgãos julgadores brasileiros. Os pedidos de cooperação, no âmbito do acordo, são feitos de governo a governo.
“O MLAT jamais foi alvo de declaração de inconstitucionalidade perante o STF, que inclusive já o examinou em diversas ocasiões”, acrescentou. Por isso não procede o argumento de ofensa ao princípio da isonomia, previsto na Constituição Federal
O ministro Mussi rejeitou o argumento de violação ao CPC, considerando que a carta rogatória não é o único meio de solicitar providências ao juízo estrangeiro. “O entendimento atual é que os acordos bilaterais são preferíveis às rogatórias, uma vez que visam a eliminar a via diplomática, possibilitando o auxílio direto e a agilização das medidas requeridas”, asseverou. Para o magistrado, é “incabível e despropositado” desconsiderar acordo celebrado entre Brasil e Estados Unidos, regularmente introduzido na legislação brasileira e com o objetivo justamente de agilizar diligências.
Quanto à questão da suposta incompetência do juízo da 5ª Vara Federal, o ministro relator destacou que a competência internacional é regulada pelo direito internacional, normas internas e tratados. Para ele, na matéria, aplica-se o princípio da territorialidade, e a evasão de divisas cometida em território nacional é de competência da justiça brasileira. “Não se pode afastar a jurisdição do juízo da 5ª Vara simplesmente porque a conta pertencente ao acusado está localizada no exterior”, concluiu.
O juiz, portanto, é competente para quebrar o sigilo bancário do investigado. “A execução da medida, por depender de providências a serem tomadas em outro país, dependerá da aquiescência do estado estrangeiro, que a realizará ou não, a depender da observância das normas internas e de direito internacional a que se sujeita”, observou o relator. No caso, segundo ele, o acordo bilateral respalda o envio dos documentos e informações solicitados pelo Ministério Público e autorizados judicialmente.
O ministro Jorge Mussi negou os pedidos da defesa e foi acompanhado de forma unânime pela Quinta Turma.