A denúncia contida no Inquérito (INQ 2131) contra o senador João Batista de Jesus Ribeiro (PR-TO) foi recebida, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por suposta prática de crime de submissão a trabalho escravo contra trabalhadores, em fazenda de sua propriedade localizada em município paraense. A decisão ocorreu durante sessão plenária desta quinta-feira, por votação majoritária.
O caso
A denúncia foi formulada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que apontou, em tese, prática de aliciamento fraudulento de trabalhadores (artigo 207, parágrafo 1º, do Código Penal – CP) em Araguaína (TO), para trabalharem na Fazenda Ouro Verde, no município de Piçarra (PA). A denúncia envolve, também, os delitos de frustração de direito assegurado pela legislação trabalhista (artigo 203 do CP) e redução de trabalhador à condição análoga à de escravo (artigo 149 do CP), ambos com a incidência da causa de aumento de pena prevista para a contratação de menor (parágrafo 2º dos artigos).
Formulada no Inquérito (INQ) 2131, a denúncia resultou de inspeção feita em fevereiro de 2004 na propriedade rural do senador por um grupo móvel de auditores-fiscais do Ministério do Trabalho, após informações de um trabalhador à Comissão de Pastoral da Terra (CPT) de Araguaína (TO) sobre suposto trabalho escravo. A denúncia abarca também o suposto administrador da fazenda, Osvaldo Brito Filho.
Voto-vista
Na sessão de hoje (23), o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto-vista. Ele votou no sentido de rejeitar a denúncia em relação a todos os delitos imputados aos acusados, por ausência de justa causa para o processamento de ação penal. Assim, o ministro abriu divergência da relatora, ministra Ellen Gracie (aposentada), que em outubro de 2010 votou pelo recebimento da denúncia.
De acordo com o ministro Gilmar Mendes, os trabalhadores não foram proibidos de sair da fazenda e nenhum deles chegou a ver qualquer pessoa armada observando-os. O ministro também salientou que, conforme os depoimentos, não houve coação, ameaça ou imposição de jornada excessiva. “Todos podiam exercer o direito de ir e vir”, disse.
Com base em documento da Organização das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, o ministro afirmou que deve haver uma definição mais clara do crime de trabalho escravo, o que ajudaria a Polícia Federal a investigar os casos. “Para não ser mal interpretado, enfatizo que não estou a defender o mau empregador, o explorador das condições desumanas ou degradantes de trabalho. Precisamos, de forma intransigente, evoluir, combater a miséria deste país, o subemprego, a violação à sistemática dos direitos trabalhistas e sociais”, ressaltou o ministro, que disse não acreditar que essa realidade se modifique “num passe de mágica, simplesmente com a edição de uma lei ou de regulamentos extravagantes em atmosfera livre de mazelas sociais”.
O ministro Gilmar Mendes observou que determinada situação pode caracterizar uma irregularidade trabalhista, mas não a redução de alguém à condição análoga à de escravo. “É preciso fazer a distinção do tratamento da questão no plano administrativo-trabalhista e no campo penal”, disse, ao salientar que determinados atos “podem e devem se reprimidos administrativamente, mas não com aplicação do tipo penal, do direito penal ao caso”.
Ao analisar a matéria, o ministro ressaltou que o bem jurídico tutelado pelo artigo 149 do Código Penal não é a relação de trabalho, mas a liberdade individual de cada cidadão. Ele citou que, dependendo da interpretação, outras relações de trabalho estariam sujeitas à “jornada exaustiva“ como ocorre, por exemplo, no comércio nas festas de fim de ano ou na construção civil, quando a entrega do empreendimento está próxima.
Segundo o ministro, o Brasil apresenta grandes distorções. “A inexistência de refeitórios, chuveiros, banheiros, pisos em cimento, rede de saneamento, coleta de lixo é deficiência estrutural básica que assola de forma vergonhosa grande parte da população brasileira, mas o exercício de atividades sob essas condições que refletem padrões deploráveis e abaixo da linha da pobreza não pode ser considerado ilícito penal, sob pena de estarmos criminalizando a nossa própria deficiência”. O voto do ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio .
Votos
O ministro Luiz Fux votou pelo recebimento da denúncia, acompanhando a relatora do caso, ministra aposentada Ellen Gracie. Ele afirmou que foram constatadas, nos autos, condições degradantes em que viviam os trabalhadores na fazenda. Entre elas, segundo o ministro, a falta de instalações sanitárias e ausência de luz para as refeições, formando um “ambiente inóspito”.
Ao acompanhar a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, no sentido da rejeição da denúncia, o ministro Dias Toffoli revelou, entre outros argumentos, que não se deparou, nos autos, com nenhum depoimento que afirmasse haver coação ou a presença de agentes armados, e que também não parece ter havido cerceio de transporte.
Já a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou a relatora do caso pelo recebimento da denúncia. De acordo com a ministra, a relatora disse haver elementos indiciários suficientes para aceitar a peça inicial. Entre outros pontos, a ministra Ellen Gracie disse haver indícios de que os trabalhadores teriam contraído dívidas, restrição de liberdade e situações precárias.
O ministro Joaquim Barbosa também acompanhou a relatora pelo recebimento da denúncia. Segundo ele, o acusado conhecia a situação da sua fazenda, assumindo com isso o risco do resultado. O ministro disse, ainda, haver indícios de que os trabalhadores cumpririam jornadas superiores a treze horas diárias.
Ao se manifestar pelo recebimento da denúncia, o ministro Ayres Britto citou trechos da denúncia que, segundo ele, sinalizariam a existência de indícios dos delitos imputados. O ministro disse entender que é preciso reconhecer o poder-dever do Ministério Público para, na fase da instrução criminal, comprovar e demonstrar o que afirmado na peça inaugural do processo.
O ministro Marco Aurélio votou pela rejeição da denúncia. Revelando que a maioria dos trabalhadores não tinha mais do que um mês de serviço na fazenda, ele disse entender que não se pode falar, no caso, em coação ou em dívidas impagáveis. Não podemos cogitar, diante desses elementos indiciários, quanto à sonegação de direitos trabalhistas, nem de fraude ou de violência, frisou o ministro, dizendo que os indícios não são suficientes.
De acordo com o decano da Corte, ministro Celso de Mello, o trabalhador merece respeito, quer do Estado, quer do seu empregador, e não pode sofrer tratamento que lhe coloque em situação degradante, que faça aviltar sua dignidade pessoal. Nesse sentido, ao votar pelo recebimento da denúncia, o ministro disse entender que a peça do Ministério Público Federal está fundada em relatório elaborado por fiscais do Ministério do Trabalho, apresentando dados que permitem reconhecer bases mínimas capazes de sustentar a denúncia, permitindo a formulação de um juízo positivo de admissibilidade.
O ministro Cezar Peluso votou pelo recebimento da denúncia apenas quanto ao crime previsto no artigo 149, caput, do Código Penal. Segundo o ministro, o senador tinha o domínio das ações, conhecia a situação e assim poderia ter evitado os atos que acabaram configurando o delito. O ministro citou duas ações específicas: a sujeição à condição degradante do trabalho, habitação e higiene, e a restrição de locomoção em razão das dívidas contraídas pelos trabalhadores.
Quanto aos crimes previstos nos artigos 213 e 207, o ministro Cezar Peluso não recebeu a denúncia, por entender não haver elementos indiciários suficientes.
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