A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro para reabrir o inquérito sobre a morte de Charles Machado da Silva e Luciano Custódio Sales, de 24 e 16 anos, respectivamente. Eles foram mortos durante uma operação policial realizada no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, em 27 de setembro de 2004.
As mortes teriam ocorrido após intenso tiroteio envolvendo traficantes e membros da Core, unidade especial da Polícia Civil, que teriam subido a favela para prender integrantes da quadrilha. Há relatos de que os policiais teriam atirado com armamento especial a partir de helicóptero que sobrevoava o morro. A ação teria levado à morte dos jovens.
O MP ingressou com recurso no STJ contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que impediu o desarquivamento do inquérito. O MP alegou que o TJRJ deveria permitir a reabertura em vista da existência de novas provas. A decisão da Justiça do Rio teria afrontado o artigo 18 do Código de Processo Penal (CPP).
Legítima defesa
O próprio MP havia solicitado o arquivamento por entender que os policiais agiram em legítima defesa (artigo 25 do Código Penal), tese acolhida pelo juiz da 3ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro.
Após análise do caso pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o procurador-geral de Justiça determinou a reabertura do inquérito, mas o TJRJ concluiu que a causa das mortes não poderia mais ser revista em razão da coisa julgada material.
Para o TJRJ, é nula a decisão do procurador-geral que, sob o argumento de pesquisa de novas provas, reabre um inquérito cujo arquivamento fora determinado pelo juiz a pedido de órgão do próprio MP, o qual reconheceu no caso a excludente de ilicitude da legítima defesa.
Segundo o tribunal fluminense, o Ministério Público não pode se sobrepor ao Judiciário, e se um magistrado decide, não pode o procurador-geral de Justiça, ainda que chefe da instituição ministerial, desconstituir autoritariamente essa decisão.
Questão de mérito
O entendimento da Sexta Turma do STJ manteve a decisão do TJRJ. O ministro Nefi Cordeiro, relator do processo, explicou que o arquivamento não ocorreu por falta de provas, de indícios de autoria ou de certeza de materialidade do crime, mas por reconhecimento da excludente de ilicitude (legítima defesa) – questão de mérito, que faz coisa julgada e impede a rediscussão do caso penal.
O artigo 18 do Código de Processo Penal e a Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal permitem o desarquivamento do inquérito ante o surgimento de provas novas, mas tal permissão somente pode ser compreendida nos limites do arquivamento por falta de provas. Pensar o contrário, segundo o ministro, permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e afastaria a segurança das soluções judiciais de mérito.