Depois de autorizar, por cinco votos a quatro, a Extradição (Ext 1085) de Cesare Battisti para a Itália, em um julgamento que durou três dias de longos debates, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no início da noite desta quarta-feira (18), que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República.
Ao proferir o último voto sobre o mérito do pedido do governo italiano, no início da tarde, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manifestou seu posicionamento a favor da extradição do ativista Cesare Battisti ao governo italiano, considerando que os crimes imputados ao italiano não tiveram conotação política, e não foram alcançados pela prescrição. Com isso, a Corte autorizou, por cinco votos a quatro, a extradição do italiano. Ficaram vencidos os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Marco Aurélio.
Presidente da República
Na segunda parte da sessão, os ministros passaram a analisar se o presidente da República seria obrigado a cumprir a decisão do STF e entregar Battisti ao governo italiano, ou se teria algum poder discricionário (poder de decidir com base em conveniência e oportunidade), para decidir a questão, como chefe de Estado. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que o presidente tem poder discricionário para decidir se extradita ou não Cesare Battisti. Já nesta votação, ficaram vencidos os ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes frisou, em seu voto, que o presidente da República tem, por força do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália em 1989, bem como do artigo 86 do Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80), a obrigação de entregar o nacional italiano. Portanto, não tem poder discricionário de decidir pela não entrega.
“Havendo tratado, todo o processo de extradição deve obedecer suas normas”, sustentou o ministro. O ministro lembrou que a única discricionariedade que o presidente tem para não efetuar a extradição ocorre em caso bem específico, previsto no artigo 91 da Lei 6.815/80, que é quando o país requerente não oferece condições de fazer o extraditado cumprir a pena dentro do que estabelece a legislação brasileira.
Fora isso, segundo o ministro Gilmar Mendes, o presidente da República somente tem discricionariedade quanto à entrega imediata ou não do extraditando. Um retardamento pode acontecer se este sofrer de doença grave que coloque em risco sua vida, atestada por laudo médico (parágrafo único do artigo 89 a Lei 6.815), ou se ele estiver respondendo a processo no Brasil. Neste caso, o presidente pode permitir que se conclua esse processo, ou desprezar esta circunstância e efetuar a extradição.
O ministro Gilmar Mendes qualificou de “arrematado absurdo dizer-se que agora, uma vez decidida a extradição, o presidente da República está livre para não cumpri-la”. Segundo ele, partiu-se de uma especificidade da legislação pertinente ao assunto – entrega imediata ou não, em dadas circunstâncias – para se generalizar a discricionariedade.
Eros Grau
O ministro Eros Grau reforçou sua convicção de que os crimes pelos quais o extraditando é acusado têm natureza política, acrescentando que o voto do ministro Marco Aurélio esgotou a matéria de mérito. “Eu, serena e prudentemente, não concedo a extradição”, afirmou. Mas, quanto aos efeitos do julgamento de mérito, o ministro Eros Grau manifestou-se pela não vinculação da decisão da Corte Suprema.
Para ele, o presidente da República não está obrigado a proceder a extradição, já que a decisão do STF é meramente autorizativa. “Nos termos do tratado, o presidente da República deferirá ou não a extradição autorizada pelo STF, sem que com isso esteja a desafiar a decisão do Tribunal. Esse ponto é muito importante estabelecer, porque o tratado é que abre a possibilidade de a extradição ser recusada, sem que isso represente, da parte do presidente da República, qualquer desafio à nossa decisão”, concluiu.
Cezar Peluso
O ministro Cezar Peluso, relator da extradição por meio da qual o governo italiano pede a entrega de seu nacional Cesare Battisti por crimes praticados naquele país entre 1977 e 1979, relembrou seu posicionamento sobre a obrigatoriedade do Presidente da República em respeitar a decisão do STF. Segundo ele, não existe no ordenamento jurídico brasileiro norma que dê ao chefe do poder Executivo o poder discricionário de decidir sobre extradições deferidas pelo STF.
Ao receber a nota verbal do governo estrangeiro, o presidente poderia não submeter o pedido ao STF, disse o ministro-relator. Mas se o fez, se submeteu ao STF o pedido de extradição, explicou Peluso, o fez apenas para controle da regularidade, ou da legitimidade do pedido perante o ordenamento jurídico brasileiro e as regras do tratado.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia entendeu que a competência para a entrega do nacional continua sendo do presidente da República. Este, segundo a ministra, tem a faculdade, o poder discricionário, de não consumar a Extradição mesmo que já aprovada pelo STF, conforme os artigos 84, inciso VII, e 90, ambos da Constituição Federal.
Ricardo Lewandowski
Já o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que o Presidente da República está limitado não apenas à decisão do STF, mas ao tratado que a República Federativa do Brasil celebrou com a Itália. Assim, salientou que deve ser observada a obrigatoriedade dos tratados, ao lembrar que o Brasil é signatário da Convenção de Viena, conforme o qual, em seu artigo 26, estabelece que todo tratado em vigor é vinculante entre as partes e deve ser executado de boa fé. Portanto, o Brasil deve se sujeitar aos vínculos obrigacionais fundados em tratados com outros países, disse o ministro.
Carlos Ayres Britto
Por sua vez, o ministro Carlos Ayres Britto citou que o processo de extradição começa e termina no Poder Executivo. “O Poder Judiciário é um rito de passagem necessário, mas apenas rito de passagem que faz um exame de legalidade extrínseca, portanto não entra no mérito”, disse. Ele afirmou que o exame do Judiciário é delibatório, por isso não pode obrigar o presidente da República a extraditar ou não um estrangeiro.
Ellen Gracie
Com o relator, votou também a ministra Ellen Gracie. Ela registrou que em toda a existência do STF, nunca houve desacordo do presidente da República quanto à decisão da Corte em extradições. Para ela, é certo que o Poder Executivo não pode extraditar uma pessoa sem ouvir o STF, mas o presidente da República tem restrições para atuar. De acordo com ela, “a lei não se interpreta por tiras, nem o tratado”. Portanto, resumiu que ao Judiciário cabe decidir se o pedido de extradição está apto e ao presidente da República cabe executá-lo.
Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio já havia se posicionado sobre esta questão quando proferiu seu voto-vista, na sessão da última quinta-feira (12). Para ele, o presidente da República tem o direito de dar a última palavra sobre as extradições autorizadas pelo Supremo. Da mesma forma já havia se manifestado o ministro Joaquim Barbosa, pelo poder discricionário do presidente da República.