Pedido de vista formulado pela ministra Cármen Lúcia interrompeu o julgamento do Habeas Corpus (HC) 131943, no qual a Defensoria Pública da União (DPU) pede que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declare extinta a punibilidade, em razão do princípio da insignificância, de um cidadão denunciado por contrabando por ter entrado no país com uma arma de ar comprimido de calibre inferior a seis milímetros, no valor de R$ 185,00, em maio de 2012.
De acordo com a DPU, por se tratar de arma de uso permitido, a importação se sujeitaria apenas ao controle alfandegário, sendo dispensada a autorização do Exército. Com isso, o delito configuraria descaminho, e não contrabando, e o princípio da insignificância poderia ser aplicado ao caso. A jurisprudência do STF não aplica o princípio da insignificância aos crimes de contrabando, independentemente do valor do bem.
Há distinção entre os dois crimes: o contrabando se caracteriza pela importação ou exportação de mercadoria proibida, enquanto o descaminho decorre do não pagamento, total ou parcial, de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Antes da Lei 13.008/2014 (o caso dos autos é anterior a ela), o artigo 334 do Código Penal tratava os dois delitos de forma conjunta e previa a mesma pena: reclusão de um a quatro anos. Na nova redação introduzida pela lei, o descaminho foi tratado no artigo 334 do Código Penal com a mesma pena da redação anterior. Já o delito de contrabando está tratado no artigo 334-A, com pena mais severa: reclusão de dois a cinco anos.
Relator do HC, o ministro Gilmar Mendes votou pelo deferimento do pedido formulado pela DPU, por entender que não há proibição da importação de arma de pressão, que é de uso permitido. “A arma de pressão apreendida não se configura como de uso proibido, de modo que sua entrada no país sem a devida documentação se enquadra no tipo legal previsto no artigo 334 do Código Penal, ou seja, descaminho”, afirmou. O relator observou que o Decreto 3.665/2000 (aplicável ao caso) dispõe, em seu artigo 17, que as armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola com calibre igual ou inferior a seis milímetros e suas munições eram de uso permitido. O Decreto 9.493/2018, que entra em vigor em março deste ano e revoga a norma anterior, passa a considerar produtos de uso proibido as réplicas e os simulacros de armas de fogo que possam ser confundidos com armas reais e que não sejam classificadas como armas de pressão.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu divergência por considerar que o uso deste tipo de arma depende de autorização prévia por ser produto controlado pelo Exército, configurando assim o que chamou de “proibição relativa”. Em sua opinião, não se trata apenas de uma questão de índole fiscal ou tributária, uma vez que, além do interesse econômico, há bens jurídicos relevantes à administração pública, como segurança e tranquilidade, não sendo aplicável o princípio da insignificância. O ministro citou como exemplo deste entendimento a questão dos cigarros contrabandeados. Após o voto divergente, houve o pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.
Histórico
O juízo da 2ª Vara Federal de Santana do Livramento (RS) rejeitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o acusado pela suposta prática do crime de contrabando. O magistrado entendeu que a conduta se enquadraria no delito de descaminho e, como o valor dos tributos suprimidos era muito inferior ao patamar de R$ 20 mil para arquivamento das execuções fiscais, aplicou ao caso o princípio da insignificância. O entendimento da primeira instância foi mantido pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), que desproveu recurso interposto pelo MPF. Ocorre que, ao julgar recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu pedido do MPF para afastar a incidência do princípio da insignificância e determinar ao juízo de origem que profira nova decisão sobre o recebimento da denúncia. Os efeitos do acórdão do STJ, no entanto, estão suspensos por liminar deferida pelo ministro Gilmar Mendes no Habeas Corpus (HC) 131943, cujo julgamento de mérito se iniciou nesta terça-feira (5).
*Matéria atualizada em 06/02/2019, às 16h10, para acréscimo de informações sobre o Decreto 9.493/2018.
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