Nesta quinta-feira (28), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 929670, com repercussão geral reconhecida, que discute a possibilidade da aplicação do prazo de oito anos de inelegibilidade, introduzido pela Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), às condenações anteriores por abuso de poder, com trânsito em julgado, nas quais o prazo de três anos previsto na redação anterior da Lei Complementar (LC) 64/1990 já tenha sido cumprido. Até o momento cinco ministros votaram pelo desprovimento do recurso – Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli – e três ministros se manifestaram pelo provimento do RE – Ricardo Lewandowski, relator, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
O autor do recurso é um vereador de Nova Soure (BA) que foi condenado, nos autos de representação eleitoral, por abuso de poder econômico e compra de votos por fatos ocorridos em 2004, e ficou inelegível por três anos. Nas eleições de 2008, concorreu e foi eleito para mais um mandato na Câmara de Vereadores de Nova Soure. Mas, no pleito de 2012, seu registro foi indeferido porque a Lei da Ficha Limpa (que passou a vigorar efetivamente naquele pleito) aumentou de três para oito anos o prazo de inelegibilidade previsto no artigo 1º, inciso I, alínea d, da LC 64/1990.
A controvérsia jurídica contida no recurso consistiu em saber se há ou não ofensa às garantias constitucionais da coisa julgada e da irretroatividade da lei mais grave (artigo 5º, XXXVI, Constituição Federal) nas hipóteses de aumento do prazo de três para oito anos da inelegibilidade prevista no artigo 22, inciso XIV, da LC 64/1990 em razão da condenação por abuso do poder político ou poder econômico por força do trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso).
Divergência
O julgamento foi retomado com a apresentação do voto-vista do ministro Luiz Fux (leia a íntegra), que votou no sentido de negar provimento ao recurso e abriu divergência. Segundo ele, o regime jurídico das condições de elegibilidade e das hipóteses de inelegibilidade “se ancora em critérios políticos e legislativos que possuem racionalidade e fundamentos diversos da natureza de sanções”. “Essa multiplicidade de fundamentos que autorizam o legislador complementar a introduzir novas causas limitadoras da cidadania passiva revela que não é sanção essa inelegibilidade”, avaliou.
Em seu voto, o ministro destacou que a decisão que reconhece a inelegibilidade somente produzirá efeitos nas esferas jurídica e eleitoral do condenado se ele vier a formalizar registro de candidatura em eleições futuras ou em recurso contra expedição de diploma em se tratando de inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes. Assim, observou que “para se operar o efeito da inelegibilidade deve haver o registro de candidatura”, uma vez que a declaração de inelegibilidade (artigo 22, inciso XIV) não produz efeitos jurídicos eleitorais imediatos na esfera jurídica do condenado, ao contrário da pena de cassação do diploma.
De acordo com o ministro Luiz Fux, o indivíduo que tem a intenção de concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral, “portanto a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo patrimônio jurídico, antes se traduzindo numa relação ex legem dinâmica”. “É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação que também permite concluir pela validade da extensão dos prazos de inelegibilidade nas ações de controle concentrado da Lei da Ficha Limpa no Supremo”, completou.
O ministro ressaltou que os prazos poderão ser estendidos se ainda estiverem em curso, ou até mesmo restaurados para que cheguem a oito anos em razão de lei nova, desde que não ultrapasse esse prazo. “Trata-se tão somente de imposição de um novo requisito negativo para que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo e não se confunde com agravamento de pena ou bis in idem”, disse, ao afirmar que o legislador distingue claramente a inelegibilidade das condenações. Por fim, o ministro Luiz Fux considerou que não houve afronta à coisa julgada.
Votos
O ministro Alexandre de Moraes seguiu o relator ao dar provimento ao recurso. Para ele, não há dúvidas quanto ao avanço trazido pela LC 135/2010, porém considerou que o caso dos autos “não afeta as conquistas da Lei da Ficha Limpa”, mas desrespeita o princípio da segurança jurídica, da boa-fé e a coisa julgada.
O ministro Edson Fachin acompanhou a divergência, ao considerar que não há direito adquirido a um regime de elegibilidade. “Quando aqui se prevê que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, não vejo em hipótese alguma falar-se de irretroatividade, qualquer que seja o grau”, afirmou. Segundo ele, o aumento de três para oito anos “não afasta requisito negativo de adequação de quem se coloca a pleito eleitoral para preencher as respectivas condições”. “Trata-se de um fato do passado que se projeta para o presente, e essa circunstância se afere no momento do pedido de registro de candidatura”, completou.
No mesmo sentido, votou o ministro Roberto Barroso. Para ele, a própria Constituição Federal autorizou a inelegibilidade com base na vida pregressa dos candidatos. Ele considerou inequívoco o pronunciamento do Supremo sobre a matéria no sentido de que a presente causa de inelegibilidade pode ser aplicada a fatos anteriores a sua introdução no ordenamento eleitoral, porque não tem natureza jurídica de sanção, “tem natureza de mero requisito negativo de inelegibilidade”. “Seu propósito é assegurar o bom funcionamento do pleito eleitoral e a produção de resultados sadios para a democracia. “Não há na norma o propósito de punir, tampouco há direito adquirido a regime jurídico eleitoral que deve ser aplicado no momento do regime do registro da candidatura” disse o ministro, ao citar a decisão da Corte nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 29 e 30.
Também acompanhou a divergência a ministra Rosa Weber, pelo desprovimento do recurso. Ela avaliou que a ideia da inelegibilidade em questão não é punir um indivíduo, mas o foco é a coletividade, “buscando-se preservar a legitimidade das eleições, a autenticidade da soberania popular e, em última análise assegurar o processo de concretização do Estado Democrático de Direito”. De acordo com a ministra, a aplicação das inelegibilidades e dos prazos referidos não afrontam o direito adquirido, nem a coisa julgada, além de não configurar retroação de norma menos benéfica.
O ministro Dias Toffoli votou no sentido de negar provimento ao RE e lembrou que o tema já foi tratado pela Corte no julgamento das ADCs 29 e 30. “Os princípios inseridos na Constituição Federal, que norteiam a redação da lei complementar de inelegibilidade, são a proteção de uma série de bens jurídicos tão valorados pela Constituição, que ela determina que o eventual potencial de afronta a aqueles bens deve levar a uma inelegibilidade”, disse. O ministro entendeu que no caso não há afronta à coisa julgada porque “o que está sendo ponderado aqui é o desvalor jurídico da condenação e os anos de efeito por ela criado”.
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