Por ausência de relação de causa e efeito na denúncia, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu o Habeas Corpus (HC) 138637, impetrado em favor do ex-presidente do parque Hopi Hari, em Vinhedo (SP), Armando Pinheiro Filho, acusado de homicídio culposo devido a um acidente em um brinquedo do estabelecimento que matou uma jovem em 2012. Na ocasião, ele era o administrador do parque.
O decano cassou acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia determinado o prosseguimento da ação penal contra o acusado em trâmite na 1ª Vara de Vinhedo, e restabeleceu decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o qual havia trancado o procedimento penal instaurado.
De acordo com o relator, a decisão do TJ-SP reflete a jurisprudência do STF no sentido de que a mera condição de sócio ou de dirigente de uma sociedade empresária não basta para autorizar, por si só, o reconhecimento da responsabilidade penal de seu administrador.
Segundo o ministro Celso de Mello, não há como atribuir, no plano penal, responsabilidade solidária pelo evento delituoso, pelo fato de o acusado pertencer ao corpo gerencial da empresa. “É que se tal fosse possível – e não o é –, estar-se-ia a consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas consequências que daí podem resultar”, apontou.
“É preciso insistir, então, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, que a circunstância objetiva de alguém ostentar a condição de sócio ou de exercer cargo de direção ou de administração não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente condenação criminal”, afirmou.
Responsabilidade objetiva
De acordo com o decano, não existe, na legislação brasileira, a possibilidade constitucional de reconhecer-se a responsabilidade penal objetiva. O relator reforçou que, em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu.
Conforme o ministro Celso de Mello, o Ministério Público, no caso, deixou de cumprir a obrigação processual de promover descrição precisa do comportamento do ex-presidente do parque, e se absteve de indicar fatos concretos que o vinculassem ao resultado narrado na denúncia, desconsiderando o que dispõe o artigo 13, caput, do Código Penal, que exige, para efeito de imputação a alguém de determinado evento delituoso, que se demonstre a existência do necessário nexo causal.
O decano verificou que Armando Pereira Filho não concorreu para a infração penal que lhe foi imputada, pois não ordenou a liberação da cadeira desativada do brinquedo onde estava a vítima, nem praticou, quanto a ela, ato algum que lhe suspendesse a interdição. Assinalou ainda que o então administrador do Hopi Hari também nutria a justa expectativa de que os empregados se comportassem de acordo com suas responsabilidades profissionais que lhes impunham a obrigação jurídica de observar e de cumprir as normas de cautela e as regras técnicas inerentes às atribuições que diretamente lhes incumbiam no que se refere à manutenção do brinquedo “Torre Eiffel”.
“Disso resulta, segundo penso, a constatação de que se tornava realmente inadmissível imputar o evento delituoso ao ora paciente, considerada a plena ausência, na espécie, do necessário nexo de causalidade material que pudesse vincular o resultado letal ocorrido a uma particular conduta individual de Armando Pereira Filho”, frisou.
Domínio do fato
O ministro Celso de Mello reforçou que a mera invocação da teoria do domínio do fato não basta para exonerar o Ministério Público do gravíssimo ônus de comprovar, licitamente, para além de qualquer dúvida razoável, os elementos constitutivos da acusação (autoria, materialidade e existência de nexo causal), de um lado, e a culpabilidade do réu, de outro.
“O princípio do estado de inocência, em nosso ordenamento jurídico, qualifica-se, constitucionalmente, como insuprimível direito fundamental de qualquer pessoa, que jamais se presumirá culpada em face de imputação penal contra ela deduzida, tal como esta Suprema Corte tem sempre proclamado”, sublinhou.
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